Sumário
Há alguns dias, encontrei a caixa onde meu pai guardava seus relógios. Havia relógios de vários tamanhos, cores e estilos. Fiquei especialmente interessado em um modelo dourado, daqueles que, à primeira vista, encantam de maneira indescritível. Era evidente que o relógio tinha algumas décadas de vida. Decidi, então, restaurar o artefato. Levei-o ao relojoeiro, que realizou os reparos necessários para que o relógio finalmente voltasse à vida.
Passei quase uma semana admirando o objeto, usando-o durante todo o dia, sem me importar com o lugar ou a ocasião. De certa forma, era um jeito sutil e elegante de relembrar os bons momentos que vivi com meu pai. Afinal, eu tinha muitas memórias dele usando aquele relógio em diversas ocasiões. Nada mais justo do que carregá-lo no pulso como uma homenagem ao meu grande amigo.
Durante algum tempo, esqueci os outros relógios da coleção, como se jamais tivessem existido. Na minha mente, apenas o ‘Horloge’ dourado parecia capaz de manter viva a conexão com meu saudoso pai e com as emoções de um passado, não tão distante, que me ligavam à alma da pessoa que mais me amou neste mundo.
Contudo, numa noite qualquer, quando estava prestes a adormecer, lembrei-me da singela e humilde caixa que guardava tesouros tão profundamente ligados a mim. O sono desapareceu, e não perdi tempo. Lembrei-me de todas as histórias que aqueles relógios carregavam. Abri a caixa e me deparei com uma dúzia de peças de metal, adornadas com safiras incrustadas em seus engenhosos mecanismos.
Apesar da empolgação, examinei aqueles pedaços de matéria com calma. Não estava preocupado com o que eles poderiam me oferecer, mas sim com o que já haviam proporcionado.
Depois de um bom tempo imerso na nostalgia, sentia-me grato por aquele momento de resgate de boas memórias ao lado de meu pai, Ben-Abrão. Suguei para mim todas as lembranças que aquela caixa podia oferecer. Já era hora de voltar para a cama e renovar as energias para mais um dia de trabalho.
Quando fechei a caixa, numa noite escura e silenciosa, escutei um som inesperado: um “tic-tac”. Achei que estava imaginando coisas, afinal, décadas haviam se passado desde a última vez que meu pai usara aqueles relógios.
Intrigado, aproximei-me das relíquias. O som se repetiu: “tic-tac”. Não podia ser possível. Um dos relógios estava funcionando normalmente dentro daquela caixa, e, para minha surpresa, marcava o horário exato!
Por décadas, aquele relógio realizara seu trabalho sem se preocupar com a opinião dos outros, sem se incomodar por não ser usado, sem relaxar em sua missão. Nem um único segundo estava adiantado ou atrasado.
Silenciosamente, aquele pequeno operário da pontualidade cumpria sua função designada, sem descanso.
E assim, percebi algo maior: o relógio fazia exatamente o que seu pai, o relojoeiro, o preparara para fazer. Recebeu conselhos durante sua construção, passou por ajustes e reparos quando necessário, aprendeu com seus “erros” na relojoaria e foi feito livre para aproveitar sua vida. Porém, aquele relógio em específico nunca se esqueceu das sábias palavras e orientações de seu pai. Quando sua missão chegou, ele nunca mais parou.