Sumário
Foi numa tarde de verão de abril de 1909, que um famoso e reconhecido clarividente, Charles Leadbeater, membro da Sociedade Teosófica, fundada em 1875 por Helena Petrovna Blavatsky e Henry Steel Olcott, observou um grupo de garotos brincando na praia e ficou espantado ao perceber que um deles possuía uma radiância descomunal, uma aura de magnitude jamais vista por ele em outros seres humanos. Esse pequeno jovem era Jiddu Krishnamurti, que à época tinha catorze anos de idade. Impactado pela aura solar de Krishnamurti, Leadbeater, junto com a então presidenta da Sociedade Teosófica, a Sra. Anie Besant logo se convenceram de que aquele garoto correspondia à expectativa profetizada dentro da Sociedade, a de que, um “Grande Instrutor do Mundo” estava prestes e se manifestar em um novo veículo humano, para o bem da humanidade, que tinha se afastado demasiadamente da legítima espiritualidade. Krishnamurti estava destinado a ser o “Grande Instrutor do Mundo”.
Nessa esteira, Leadbeater e Besant se apressaram para conversar com o pai de Krishna, expondo a ele as razões do porque intencionavam tutelar e orientar a educação e o preparo do jovem, pois, ele em breve seria anunciado para o mundo como o “novo messias”. Milhares de membros da Sociedade Teosófica, de todas as partes do mundo acompanhavam atentamente as notícias relacionadas à chegada do “Instrutor do Mundo”.
Criação e Dissolução da Ordem da Estrela
A Ordem da Estrela do Oriente foi criada em 1911 pela cúpula de liderança da Sociedade Teosófica, com o intuito de promover uma atmosfera psicológica e espiritualmente favorável entre seus mais de 3000 membros, de diferentes países, parte deles, inclusive, não necessariamente associados à Sociedade Teosófica, para que pudessem receber as nobres instruções que iriam advir dos pronunciamentos de Krishnamurti, que já recebera o título de Grão Mestre da Ordem com apenas 15 anos de idade.
Entretanto, na medida em que Krishnamurti tomava consciência do papel que a Sociedade Teosófica, com o aval da Ordem da Estrela, lhe havia destinado e, ao mesmo tempo começava a perceber que seu modo de ser e de se apresentar ao mundo estava inteiramente alinhado às diretrizes e expectativas estabelecidas para ele, em conformidade com as orientações de seus mentores – Leadbeater e Anie Besant – ou supostamente advindas dos mestres da hierarquia oculta; uma grande insatisfação acentuava-se em seu íntimo. Ele sentia-se como um pássaro dentro da gaiola. O ideal construído em torno dele o sufocava e o impedia de se expressar em conformidade com suas próprias percepções e vivências espirituais.
Foi então que em 1925, com a morte de seu irmão Nitya, Krishnamurti, pela forte ligação com ele, passa por um acentuado processo de introspecção e, após vivenciar uma profunda crise espiritual, questiona dentro em si a natureza e o sentido da vida e da morte, do sofrimento, do medo e do tempo.
Quando ele chegou pela primeira vez à Inglaterra, segundo sua principal biografia, Mary Lutyens, enfrentou um sentimento profundo de solidão e de saudades de casa. Lutyens relata que ele teve a decepção de não passar nos exames de entrada na Universidade. Passou pelo constrangimento de, ao mesmo tempo ser adorado e ridicularizado. Muitos críticos – diz ela – tomando como referência alguns poucos fragmentos de narrativas sobre a história da vida de Krishnamurti alegaram que ele estava protegido dos problemas cotidianos que os seres humanos em geral enfrentam, mas uma análise mais profunda sobre sua vida, não deixa dúvida, de que ele estava consciente dos problemas que afligem as pessoas. Krishnamurti passou por um sofrimento devastador com a morte de seu irmão Nitya - Ressalta a biografia, mas, uma profunda compreensão emergiu em seu ser, acompanhada de uma grande compaixão pela humanidade. Após algum tempo, ele afirmaria:
“Uma nova força nascida do sofrimento está pulsando nas veias, e uma nova harmonia e compreensão está nascendo a partir do sofrimento passado – Sei agora com mais certeza do que nunca, que existe beleza real na vida, felicidade real que não pode ser abalada por nenhum acontecimento físico e um grande amor que é permanente, imperecível e insuperável.”
No ano de 1929, em um acampamento na Holanda, diante de uma multidão com mais de 3000 discípulos teosóficos, com transmissão de rádio para toda a Europa, Krishnamurti não vacilou e declarou publicamente a dissolução da Ordem da Estrela, rejeitando o papel de Instrutor do Mundo que a Sociedade Teosófica lhe havia destinado. Ele expressou sua gratidão aos seguidores e, ao mesmo tempo, transmitiu uma mensagem de esperança e liberdade ao encorajá-los a buscarem a verdade dentro de si mesmos, sem a necessidade de gurus, de dogmas e rituais, contrastando frontalmente com as instruções da Sociedade Teosófica. Doravante, Krishnamurti passaria a ser um pensador independente ao investigar com profundidade, em suas palestras, sobre o significado da Vida e da Morte, da Liberdade, do Medo, da Educação integral, do Tempo Psicológico, e muitos outros temas relevantes.
Em seu discurso de dissolução da Ordem da Estrela, dirigido a mais de 3.000 membros presentes, ele disse:
“Eu afirmo que a verdade é uma terra sem caminhos e vocês não podem alcançá-la por nenhum caminho, qualquer que seja, por nenhuma religião, por nenhuma seita. Esse é o meu ponto de vista, e eu confirmo absolutamente e incondicionalmente. A verdade sendo ilimitada, incondicionada, inacessível por qualquer caminho que seja, não pode ser organizada, nem pode qualquer organização ser constituída para conduzir ou coagir pessoas para qualquer senda particular. Se vocês logo compreendem isso, verão o quanto é impossível organizar uma crença. Uma crença é algo puramente individual, e vocês não podem e não devem organizá-la. Se o fizerem ela se torna morta, cristalizada. Torna-se um credo, uma seita, uma religião a ser imposta aos outros. Isto é o que todos estão tentando fazer mundo a fora. A verdade é restringida e usada como um joguete por aqueles que são fracos, por aqueles que estão apenas momentaneamente desgostosos. A verdade não pode ser rebaixada, mas em vez disso, deve o indivíduo fazer esforço para ascender até ela. Vocês não podem trazer o topo da montanha para o vale. Se querem atingir o cume da montanha, vocês devem atravessar o vale e escalar as escarpas sem medo dos perigosos precipícios. Portanto, esse é a primeira razão pela qual a Ordem deve ser dissolvida. ‘Eu sustento que nenhuma organização pode conduzir o homem à espiritualidade.’ Se uma organização foi criada com esse propósito, ela se transforma em uma muleta, um ponto fraco, uma dependência. Tenho um só propósito: ‘tornar o ser humano absolutamente, incondicionalmente livre’.
A Essência dos Ensinamentos de Krishnamurti
A maioria dos livros de Krishnamurti resulta da editoração de palestras que ele ministrou em vários países durante um período de 60 anos, incluindo o Brasil, no ano de 1935, na cidade do Rio de Janeiro. Em suas palestras ele costumava propor a investigação sobre o que é o amor, a liberdade, a verdade, a mente, o pensamento, a educação, o medo, a avidez, a meditação, o sofrimento, o sentido da vida e da morte, o tempo psicológico e o atemporal, sempre junto com a plateia.
Revisitando textos de suas palestras vamos destacar algumas partes que expressam um pouco da essência de sua obra:
“A mente só é livre quando já não está condicionada pelas próprias experiências, por conhecimento, por vaidade e inveja. Meditação é a libertação da mente de todas essas coisas, de todas as atividades autocentradas”.
“Pensar corretamente, ao contrário do pensamento certo, não é uma coisa a ser alcançada, surge espontaneamente com autoconhecimento que é a percepção dos mecanismos do “eu”. Pensar corretamente não é algo que possa ser aprendido nos livros ou com outra pessoa; ocorre por intermédio da mente que compreende a si mesma na ação do relacionamento. Mas, não pode haver entendimento dessa ação enquanto a mente justifica ou condena, o pensar correto elimina o conflito e a autocontradição, que são as principais causas da deterioração da mente”.
Sra. A: Para entender a vida em sua totalidade e unidade, como o Sr disse, faz-se necessário ter inteligência, coisa que não tenho.
K: Sim. Você tem. Ao ver por si mesma como sua vida é pequena, quão pouco você ama, ao perceber a natureza do ciúme, ao começar a estar consciente de si mesma nas relações cotidianas, já há o movimento da inteligência. Inteligência é uma questão de percepção dos truques sutis da mente, de encarar o fato e pensar com clareza, sem suposições e conclusões. Acender a chama da inteligência e mantê-la viva exige atenção e grande simplicidade.
Sra. A: É gentileza sua dizer que tenho inteligência, será mesmo?
K.: É bom questionar, mas não para afirmar se você tem ou não tem, e investigar corretamente já é em si o começo da inteligência. Você bloqueia sua inteligência com suas convicções, opiniões, afirmações e negações.
Sobre a obra “A Primeira e Última Liberdade”.
No prefácio do livro A Primeira e Última Liberdade, de Krishnamurti, Aldous Huxley escreveu: “’Nem mesmo o melhor dos livros de cozinha pode substituir o pior dos jantares’. O fato parece óbvio. E, entretanto, temos visto, através das idades, os filósofos mais profundos, os mais eruditos e penetrantes teólogos incidirem constantemente no erro de identificarem com os fatos, suas construções puramente verbais, ou no erro mais atroz ainda, de imaginarem os símbolos como mais reais do que as coisas que representam. Esse endeusamento da palavra não passou sem protesto; ‘Só o espírito, diz São Paulo, dá vida; a letra mata.
Na outra extremidade do mundo, o autor de um dos Mahayana Sutras afirma que a verdade nunca foi pregada por Buda, porque temos que descobri-la ‘dentro de nós mesmos’. Tais asserções foram consideradas profundamente subversivas e desdenhadas pela gente respeitável. Essa estranha e idolátrica exageração do valor das palavras e dos emblemas perdurou irrefreada. Declinaram as religiões, mas o velho hábito de formular credos e de impor a crença em dogmas tem subsistido até entre os ateístas. E Huxley acrescenta que nas palestras de Krishnamurti, o leitor encontrará uma exposição clara e sempre atual do básico problema humano, juntamente com o convite a resolvê-lo pela única maneira em que pode ser resolvido: pelo próprio indivíduo e em seu próprio benefício”.
Para se compreender a miséria e a confusão existente em nós mesmos e, portanto, no mundo – afirma Krishnamurti – temos que encontrar dentro de nós mesmos a clareza que nasce do pensar correto. Tal clareza não presta à organização, pois não podemos permutá-la entre nós. O pensamento de grupo organizado é maquinal. A clareza não é resultado de asserção verbal, mais de intenso auto percebimento e correto pensar. O pensamento correto não é produto ou mero cultivo do intelecto, nem é, tampouco, em conformidade com algum padrão, por mais digno e nobre que este seja. Ele vem com o autoconhecimento. Se não vos compreenderdes, não tereis base para pensar, sem autoconhecimento o que pensais não é verdadeiro.
Esse tema fundamental é desenvolvido por Krishnamurti em passagens sucessivas, senão vejamos algumas delas:
“Pode se ter esperança nos homens, mas não na sociedade, nem nos sistemas religiosos organizados”. Só em vós e em mim.
“É pelo autoconhecimento, e não pela crença nos símbolos de outras pessoas, que o homem alcança a realidade eterna, na qual se alicerça seu próprio ser.”
“O processo libertador deve começar com o ‘percebimento sem escolha’ daquilo que desejais e das vossas reações ao sistema de símbolos que vos diz se deveis ou não deveis querê-lo. Graças a esse percebimento sem escolha, ao penetrar ele as sucessivas camadas do “ego” e do seu aliado subconsciente, virá o amor e a compreensão, mas de uma ordem diferente da que em geral conhecemos – esse percebimento sem escolha, a cada momento, e em todas as circunstâncias da vida é a única meditação eficaz.”
“Na falsa meditação o meditador é o sensor, o observador, o criador do esforço “certo” e “errado”. Ele é o centro, e dali, tece a teia do pensamento; mas o próprio pensamento o gerou; o pensamento produziu o hiato entre o pensador e o pensado. A menos que essa divisão cesse, a chamada meditação só reforça o centro, o experimentador que pensa em si mesmo como algo separado da experiência. O experimentador está sempre ansiando por mais experiência; cada experiência reforça o acúmulo de experiências passadas, que, por sua vez, dita, molda a experiência presente. Assim, a mente está sempre condicionando a si mesma. Portanto, experiência e conhecimento não são os elementos libertadores que acreditamos ser.”.
K.: O próprio desejo de ter certeza, de ter segurança, é o início da prisão. Somente quando a mente não está aprisionada, na teia da certeza, e não busca a certeza, é que se encontra em estado de descoberta.A verdadeira libertação não é uma aquisição que se acrescentará à pessoa, para sua glorificação. É um “estado de ser”, onde há existência completa. Esse tesouro imperecível pode ser encontrado quando o pensamento se liberta da avidez, da malevolência e da ignorância, quando se liberta da ânsia pessoal de ser. A mente que alcançou a serenidade da sabedoria “conhecerá o ser, saberá o que é amar”. O amor não é pessoal, nem impessoal. O amor é sua própria eternidade, é o real, o supremo, o imensurável.
Juscelino Kubitschek – o presidente que lia Krishnamurti
Juscelino Kubitschek era ouro
Que encerrou de uma raça, todo tesouro:
Tão humano quando o simples “Zé do povo”,
Seu delírio era a fé no que era novo...
Também pudera, quando o tempo parava
Lia Krishnamurti e sozinho meditava.
Atuando com a católica esperança
Era a um só tempo – um gigante e uma criança.
Com a inteligência e um amor transpessoais
Tinha mesmo de avatar – todos os ais.
Singelo e puro, brilho das Minas Gerais
Foi um diamante de Diamantina, a mais...
Foi um homem completamente diferente
Dos que hoje o Brasil tem à sua frente
Humano como o mais simples dos mortais
Tinha o “toque” dos amigos celestiais
Criando Brasília, cumpriu uma profecia.
Que Dom Bosco, em seu sonho, anuncia;
Ligando o norte e o sul com uma estrada
Integrou o devir da grande Pátria amada.
Era um avatar com a coragem pública
Disfarçado em Presidente da República!
Juscelino Kubitschek de Oliveira
Suporte histórico da alma Brasileira!
Que Deus o tenha no Brasil bonito,
Modelo Quântico do sonho infinito
Trecho extraído da obra Brasil Quinhentos Anos, de Alódio Tovar, vencedora do prêmio Bolsa Hugo Carvalho Ramos, no ano de 2000.

O Legado de Krishnamurti
— Krishnamurti nos ofertou uma nova crença?
— Alguma nova fórmula para nos sentirmos realizados?
— Um novo conjunto de ideias heterodoxas para nos auxiliar no despertamento espiritual?
—Uma nova forma de yoga para disciplinar e aquietar a mente? A mente que se torna disciplinada é capaz de romper o casulo do ego, ou permanece o mesmo “eu” enclausurado na rede de pensamentos que perpetuam a autoimagem idealizada?
Evidentemente, que a abordagem de Krishnamurti sobre o amor, o egotismo, o medo, a avidez, a solidão e a plenitude humana, o pensar correto, individualidade e personalidade, o tempo psicológico e o atemporal e outras mais, se alicerça inteiramente em suas (des)cobertas. Ele mesmo, em certa ocasião disse que “nós somos o mundo”, ou seja, toda a problemática humana manifestada nos conflitos e contradições da sociedade humana, assim como todas as respostas do por que dela estão dentro de nós, entretanto temos que empreender a jornada de autoconhecimento permanente para ver e dissolver todos os estratos que se estabeleceram em nós através dos condicionamentos a que fomos submetidos, não apenas nessa existência, mas também o condicionamento de séculos e milênios, já existente em nosso subconsciente.
Após ser interrogado por alguém da plateia, em uma de suas palestras, Krishnamurti disse algo assim: “Vou funcionar como um espelho para que você se veja tal como é, com suas crenças, seus medos, seus anseios, sua avidez, sua egocentricidade, tal como você de fato é, não como imagina ser, de forma idealizada. Se a vossa mente sem resistência, perceber o vosso próprio condicionamento, e as vossas identificações, um novo modo de ser e de agir emergirá por si mesmo. Daí por diante, você pode ‘quebrar’ o espelho.”
Nessa esteira, somos levados à seguinte reflexão: - Se alguém realmente ouviu atentamente Krishnamurti e junto com ele investigou a natureza do “eu” e, se viu no espelho, esse alguém o adotará como seu guru? Esse alguém, certamente, não dirá: “Eu sigo os pensamentos e as ideias de Krishnamurti, porquanto, tal postura, será exatamente o oposto à sua intenção já mencionada, quando ele dissolveu a ‘Ordem da Estrela’ em 1929 e posteriormente iniciou suas palestras pelo mundo”.
Relembrando o que ele disse na ocasião, “Tenho um só propósito: Tornar o ser humano absolutamente, incondicionalmente livre”.
Bem aventurado o “Professor”, que na excelência do seu propósito, liberta o ser humano da ignorância (ausência de autoconhecimento) e repudia toda e qualquer idolatria a ele dirigida.
Segundo sua principal biógrafa, Mary Lutyens, na obra “Vida e Morte de Krishnamurti”, o que foi profetizado sobre Krishnamurti na sua infância e no início de sua adolescência, fora e dentro da Sociedade Teosófica, isto é, de que ele seria um Grande Instrutor para o Mundo, se cumpriu.
Cabe então, a seguinte reflexão: “Se os acontecimentos da vida de Krishnamurti não tivessem ocorrido, como de fato ocorreram, inclusive, com ele se despojando de todo o aparato da Sociedade Teosófica e da Ordem da Estrela que estavam a sua disposição, ele teria atingido a plenitude do seu ser e, a partir daí, de forma independente iniciado uma jornada verdadeiramente revolucionária e libertadora através de suas palestras ministradas em âmbito mundial?”
Quase quarenta anos após a sua partida do orbe terráqueo, o “ensinamento” de Krishnamurti continua encorajando pessoas a se autodescobrirem. Ele nos convida e nos desafia também a nos despirmos dos agregados psíquicos e adentrarmos a dimensão Supramental. Um genuíno libertador da humanidade.