Sumário
Em julho passado, o neuropsicólogo e professor da Faculdade de Medicina da Northwestern University, Jordan Grafman, publicou um artigo na revista Nature intitulado "Os neurocientistas não devem ter medo de estudar religião". Grafman argumenta que muitos neurocientistas evitam esse tema por receio de serem considerados não-científicos, mas ele defende que é essencial investigar como a religião e a espiritualidade se manifestam no cérebro e quais efeitos têm sobre os indivíduos.
Grafman está ativamente contribuindo para essa área de pesquisa, firmando uma parceria com a Ciência Pioneira, uma instituição do IDOR dedicada a pesquisas inovadoras. Juntos, eles criarão um centro virtual de estudos em "neurociência das implicações", envolvendo pesquisadores brasileiros e internacionais. O projeto contará com a colaboração do King's College London e do Shirley Ryan AbilityLab, e Grafman coordenará estudos sobre cognição religiosa e a influência da neurociência na compreensão das referências religiosas, entre outros tópicos.
Em entrevista ao GLOBO, que reproduzimos integralmente aqui, ele discutiu suas motivações científicas e declarou: “Deus existe. Tenho confiança de que Deus existe no cérebro”. Abaixo, seguem alguns trechos importantes da entrevista:

Escolhemos acreditar ou a fé é irracional?
Aprendemos a acreditar. Muitas pessoas são expostas a crenças familiares desde o nascimento e assimilam essas ideias de várias formas. Algumas pessoas escolhem um sistema de crença baseado em experiências emocionais marcantes.
Ateus podem optar por acreditar?
A afirmação "não acredito em Deus" também é uma crença. Mesmo aqueles que crescem em ambientes ateus podem ser influenciados por suas experiências e buscar um sistema de crença, que muitas vezes oferece conforto e reduz a ansiedade. A presença da ideia de Deus está presente em todos, inclusive em ateus.
Nosso cérebro é projetado para a crença?
Sim, de certa forma. A busca por explicações para eventos naturais pode ter levado as pessoas a atribuírem causas sobrenaturais a fenômenos que não compreendiam. As crenças religiosas ajudaram a organizar sociedades e fortalecer laços entre grupos, o que pode ter conferido vantagens evolutivas.
Essas crenças são frequentemente questionadas?
Uma vez estabelecidas, as crenças podem oferecer segurança, enquanto a falta delas pode gerar ansiedade. As crenças moldam nossas identidades individuais e grupais.
A ciência torna mais difícil acreditar em coisas sobrenaturais?
Embora tenhamos um vasto conhecimento científico, ainda não sabemos tudo. Muitos mantêm a fé ao lado de seus conhecimentos científicos. Há muitas perguntas sobre a vida e o que acontece após a morte que ainda não têm respostas, o que deixa espaço para a fé.
Como a fé se relaciona com a neurologia?
Estamos começando a mapear como diferentes aspectos da crença e da prática religiosa se manifestam no cérebro. Isso inclui o estudo de redes cerebrais associadas ao fundamentalismo religioso e político, explorando como essas crenças podem influenciar umas às outras.
Por que os cientistas evitam estudar espiritualidade?
Existem dilemas sociais e preconceitos que podem levar os cientistas a evitarem esse tema. Muitos acadêmicos não acreditam em Deus e podem ser críticos em relação a pesquisas nesse campo, o que desencoraja investigações mais profundas sobre a espiritualidade.
Estudar religião é focar em seus efeitos na vida das pessoas?
Sim, estamos interessados em entender as emoções e a forma como a religião influencia a identidade e as relações sociais. O estudo da oração, por exemplo, revela seu potencial para proporcionar conforto e cura, refletindo o poder da crença no cérebro.
A espiritualidade pode ser benéfica para a saúde?
A espiritualidade pode ajudar a controlar a ansiedade e o estresse, com efeitos positivos na saúde. O fenômeno do placebo ilustra o poder da crença em melhorar a saúde, ativando mecanismos cerebrais que ajudam a regular o estresse.
O que pode ser dito sobre o novo centro de estudos no Brasil?
Estudar religião no contexto do cérebro pode evitar controvérsias associadas à religião em si. A iniciativa no Rio de Janeiro é única e tem potencial para impactar pesquisas a nível internacional, explorando como crenças e políticas se inter-relacionam. É uma oportunidade para expandir a compreensão do papel da religião na sociedade.