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INFLUÊNCIA INTELIGENTE TODO DIA

A seleção natural dos babacas: entrevista com Steven Pinker

“Eles fazem mal à sociedade, mas são eficientes para si mesmos. Os mecanismos evolucionistas explicam por que os piores entre nós às vezes se dão tão bem… embora nem sempre por muito tempo”, leia a entrevista com o psicólogo Steven Pinker

Steven Pinker: Linguista e professor de Psicologia na Universidade de Harvard (© Lev Radin/Pacific Press/LightRocket via Getty Images)

1) Les Sciences Humaines – De um ponto de vista evolucionista, como explicar tamanha proliferação da estupidez ao longo da história da humanidade?
Acho, antes de tudo, que o gosto desinteressado pela verdade nua e crua, independentemente de suas consequências sobre os outros ou sobre nós mesmos, é provavelmente um presente do Iluminismo. Se defendemos a racionalidade, isso significa aceitar que os outros possam usar a razão contra nós, e que o que mais beneficia a comunidade pode nos desfavorecer pessoalmente.

Ora, a maioria das pessoas, em contexto de competição social, se interessa prioritariamente por seu status, seu poder, seu prestígio: se os fatos põem em xeque suas pretensões ao conhecimento, à sabedoria, à competência, à virtude, então é melhor negar os fatos, negar a lógica que contraria sua pessoa ou o grupo ao qual pertencem. Além disso, o conhecimento é conquistado a duras penas. A ciência, o jornalismo, a universidade, as enciclopédias, os processos de checagem dos fatos são invenções muito recentes na história da evolução e até da cultura humana. Nossa intuição, nosso senso comum, não é garantir a veracidade dos fatos por meio de fontes de autoridade — simplesmente porque isso nunca foi um hábito ao longo da história global da nossa espécie. Ainda hoje, ninguém detém o monopólio da verdade: sabemos que cientistas podem errar, assim como jornalistas e especialistas de todo tipo.

Com tudo isso, não surpreende que nem sempre confiemos nas fontes que, apesar de tudo, teríamos todas as razões para considerar as mais fiáveis. Não há nada de intuitivo, de “natural”, em nos referirmos a elas.

“Os babacas costumam ser populares; encontram parceiros sexuais com facilidade.”

2) LSH – Os babacas representam uma vantagem evolutiva para um grupo social?
A evolução não se dá em benefício do grupo, mas em benefício dos genes. A pergunta correta, portanto, não é se isso é bom para o grupo, e sim se é bom para o babaca ser babaca! E a resposta, claramente, é: “É bem possível…” Até certo ponto, pelo menos, porque há tantas vantagens quanto desvantagens em ser um babaca. A vantagem é sentir-se cheio de autoconfiança, buscar o poder, reivindicar os recursos alheios. Os babacas costumam ser populares; encontram parceiros sexuais com facilidade… A desvantagem é que ferem muitas outras pessoas, que então podem unir esforços para destituí-los ou desmoralizá-los. Não está provado, mas é possível que certos babacas prosperem naturalmente… somente até um certo limite.

Se começarem a alienar gente demais, essas pessoas acabam se revoltando. E, se houver babacas em excesso, eles passarão a prejudicar uns aos outros e perder os benefícios que se pode tirar da cooperação e de relações sociais harmoniosas. É uma dinâmica: a sociedade tolera um certo número deles, porque os próprios babacas tiram proveito disso, mas há limites!

3) LSH – Como explicar que pessoas possam votar em um babaca?
Lembremos a frase atribuída a Franklin Roosevelt sobre Anastasio Somoza García, ditador da Nicarágua: “Pode até ser um filho da puta, mas é o nosso filho da puta!” As pessoas que votam em um babaca votam no seu babaca. Ele pode revelar-se bastante carismático e projetar uma imagem de autoconfiança, de domínio. Sendo seu aliado, pode combater seus inimigos e se tornar o campeão de seus interesses.

4) LSH – Então pode ser muito vantajoso ser governado por um babaca?
Certamente. Pelo menos, para o próprio babaca! E para seus aliados. Mas não necessariamente para um país como um todo. Na verdade, raramente…

5) LSH – A estupidez é, em linhas gerais, idêntica em homens e mulheres?
Existem diferenças. Não sou especialista, mas talvez os mesmos genes se expressem de modo distinto em homens e mulheres. Homens tendem mais à psicopatia e ao narcisismo, enquanto mulheres apresentam mais transtornos de personalidade de tendência borderline ou histriônica, como no caso das “divas”. Dito isso, a estupidez mais nociva diz respeito a ambos os sexos. Em inglês, é muito raro qualificar uma mulher de asshole (termo vulgar equivalente a “canalha/babaca”); não sei por quê. Para elas, o termo mais próximo é provavelmente bitch (“vaca”, “megera”, insulto misógino). Mas é um terreno politicamente sensível, porque pode soar misógino.

6) LSH – Segundo as teses dos seus livros recentes, nunca fomos tão educados nem, possivelmente, tão inteligentes. No entanto, os babacas da pior espécie nunca foram tão visíveis, graças à internet. Nossa época não seria, apesar de tudo, a mais propícia à expansão da estupidez?
Sempre houve estupidez e babacas, líderes fascistas, ditadores, reis incompetentes, mas, inegavelmente, os babacas têm hoje muito mais vitrine. Pois, embora nunca tenhamos sido tão inteligentes e racionais, há hoje muito mais oportunidades para ignorantes se agruparem. Dois fenômenos entram em jogo: primeiro, a ascensão de psicopatas narcisistas; depois, a desinformação e o bullshit. Às vezes, as duas tendências caminham na mesma direção!

7) LSH – A humanidade detém o monopólio da estupidez? Existem “idiotas” entre os animais?
Ah, sim — é provável que, pelos nossos padrões, a maioria dos animais seja “idiota”! Eles não apresentam a mesma generosidade, o mesmo cuidado com o bem comum que nós. Os machos competem pela sedução das fêmeas, que às vezes chegam a massacrar os filhotes umas das outras, como entre os chimpanzés, nossos parentes mais próximos. Muitos especialistas se mostram suscetíveis nesse tema porque desejam melhorar nossa percepção dos animais, especialmente dos explorados ou ameaçados de extinção. É difícil obter uma resposta categórica; mas, pelos nossos critérios, sim, mais uma vez, muitos animais seriam uns belos idiotas!


Nota do Tradutor (Arthur da Paz)

  • O termo francês “connard” é chulo e varia conforme o contexto: pode ir de “babaca”/“idiota” a “canalha”. Optei majoritariamente por “babaca”, preservando o registro coloquial do original. Mas em outros artigo deste dossiê, adotei o termo “estúpido” ou outros, a depender a tonalidade mais próxima do que seria a equivalência do termo em brasileiro (aqui tratamos o brasileiro como idioma)
  • Mantive os termos ingleses asshole e bitch em itálico, com equivalências entre parênteses, por serem relevantes ao argumento sobre linguagem e gênero.

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