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INFLUÊNCIA INTELIGENTE TODO DIA

7º Perfil dos Libertadores: Carl Gustav Jung e a libertação pelo inconsciente coletivo

De discípulo de Freud a fundador da Psicologia Analítica, Carl Gustav Jung descortinou os arquétipos, a sombra, o Self e a sincronicidade, libertando a humanidade da ignorância de si mesma. Seu legado aponta para a integração da alma e a busca da individuação, iluminando o caminho da autoconsciência

Carl Gustav Jung (1875–1961), fundador da Psicologia Analítica. Suas ideias sobre arquétipos, inconsciente coletivo e individuação continuam a inspirar a busca pela autoconsciência e pela integração da alma humana.

Sumário

“Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta.” — C. G. Jung

Histórico e Considerações Gerais

C. G. Jung nasceu em Kesswil, em 1875, numa pequena vila, na Suíça. Sua vida foi uma busca constante por compreender os mistérios inerentes à alma humana. Ele costumava dizer que possuía duas personalidades distintas: um ego conhecido no seio familiar e no domínio público; e um “eu” interno, secreto e próximo a Deus.

Em 1906, Jung enviou a Freud o livro “Estudo sobre a Associação de Palavras”, que apontava para a existência do inconsciente, corroborando com as concepções de Freud sobre o recalque e a repressão. Freud ficou muito entusiasmado e, em 1907, Jung foi ao seu encontro em Viena. Esse primeiro encontro marcou o início de uma estreita amizade de um com o outro. Jung via em Freud, por esse ser mais velho e experiente, a figura de seu pai. Ele mesmo, em certa ocasião, disse a Freud: “Deixe-me apreciar sua amizade não como entre iguais, mas como aquela entre pai e filho”. Durante sete anos Freud e Jung compartilharam confidências, análises e muitas informações, materiais que posteriormente foram publicados, sendo um legado de inestimável valor para a Medicina e a Psicanálise.

Evidentemente, ambos não concordavam em tudo. Jung não concordava com a suposição de Freud em admitir que a motivação humana é de ordem exclusivamente sexual e que a dimensão da mente inconsciente é inteiramente pessoal. Para ele esse era um modo de pensar reducionista. Ele pensava na libido como sendo uma força de vida, dentro da qual a sexualidade seria uma expressão. Por outro lado, Freud não admitia o interesse de Jung pelos fenômenos espirituais como fontes válidas de estudo em si, afirmando que as nossas experiências são fortemente influenciadas por pulsões primais contidas no inconsciente. Partindo da ideia do Inconsciente freudiano, Jung estudou o inconsciente e seus mecanismos e considerou que o chamado “Inconsciente Pessoal” concebido por Freud, está assentado sobre uma camada mais vasta e profunda que ele deu o nome de Inconsciente Coletivo, repositório de toda a herança psíquica da humanidade.

A parceria entre Freud e Jung durou até 1911, ocasião em que Jung publicou a primeira parte do livro “Transformações e símbolos da libido”. Foi quando Freud escreveu a Jung e disse: “É arriscado para um ovo ser mais esperto do que a galinha”, ao que Jung respondeu: “Mesmo assim, o que está dentro do ovo precisa encontrar coragem para sair”. Com a publicação da segunda parte do livro, em 1912,Jung escreve a Freud, e cita Zaratustra: “Aquele que permanece pupilo retribui mal ao mestre”. A relação entre eles estava rompida, e foi a partir dessa cisão que emergiu a Psicologia Analítica, um campo de estudo revolucionário que viria a redefinir a compreensão sobre nós mesmos. Jung não se contentou em apenas teorizar, ele vivenciou e explorou os reinos do inconsciente em sua própria vida, emergindo com insights que transformariam a Psicoterapia e o pensamento ocidental.


O Inconsciente Coletivo

Para Jung a validação da existência do inconsciente coletivo se deu quando ao estudar os delírios e as alucinações de alguns pacientes esquizofrênicos descobriu que essas manifestações continham símbolos e imagens, que também estavam presentes nos mitos e contos de fadas. Ele analisou sociedades espalhadas pelo mundo e descobriu que todas elas compartilhavam dos mesmos símbolos havia milhares de anos, e concluiu que os seres humanos possuem em si uma parte que não se apoia nas experiências individuais, o inconsciente coletivo, composto por memórias herdadas. Sobre essa camada estaria o inconsciente individual.


Pilares da Psicologia de Libertação Junguiana

Na concepção de Jung, a libertação não é um ato externo, mas um processo intrínseco, uma jornada de autodescoberta e integração.

Alguns conceitos fundamentais na Psicologia Junguiana são:

- Individuação: Um processo contínuo de se tornar um ser humano único, integrado, completo em si mesmo. Esse processo implica em assimilar os aspectos conscientes e inconscientes da personalidade, transcendendo as máscaras sociais e os condicionamentos impostos de fora para dentro, com o intuito de manifestar o Self. Uma postura de suprema coragem, pois, para que ocorra a individuação é necessário confrontar as próprias sombras e abraçar a totalidade do que somos. No livro 50 grandes mestres da Psicologia, Tom Butler, em comunhão com as ideias de Jung, afirma que: “[ ...] o objetivo da vida era a individuação deste Self um tipo de união do consciente de uma pessoa e das mentes inconscientes, para que sua promessa original única pudesse ser alcançada. Esta concepção mais ampla do self também era baseada na ideia de que humanos são expressões de uma camada mais profunda de consciência universal. Para compreender a singularidade  de cada pessoa, tínhamos que ir além do eu pessoal para entender o funcionamento desse conhecimento coletivo mais amplo”.

- Sombra: É o aspecto inconsciente da personalidade que o ego não reconhece. Engloba os instintos, desejos reprimidos e traços considerados negativos (ou mesmo positivos, mas temidos). Não é “maligna” em si. A sombra pode ser considerada um reservatório de energia psíquica, que quando integrada e conscientizada pode ampliar o ser. Jung dizia que enfrentar e integrar a sombra – e não apenas escondê-la – é crucial para a individuação. Ao reconhecer e aceitar a nossa escuridão, paradoxalmente nos tornamos mais íntegros e autênticos, libertando uma energia criativa que antes estava bloqueada.

- Arquétipos: Jung, em conformidade com sua Psicologia Analítica, argumenta que em nossa psique existem padrões universais de experiência e comportamento, os arquétipos – do herói ao sábio, da grande mãe ao anima/animus, essas estruturas primordiais formam a base do inconsciente coletivo, conectando-nos a toda a humanidade e a milênios de experiências ancestrais. Compreender os arquétipos é desvendar as forças invisíveis que moldam a nossa existência e, a partir daí, expandir a consciência. O “Velho Sábio”, que representa o princípio do conhecimento, da sabedoria, da orientação e da espiritualidade; a “Grande Mãe”, que pode estar conotada com a nutrição, o cuidado, a proteção, mas também com o lado sombrio da devoração e aprisionamento; “O Herói”, que pode representar a jornada em busca de algo maior, a busca pela realização do nosso potencial máximo, um padrão universal de desenvolvimento pessoal; a “Persona”, o “Self”, a “Sombra” são alguns dos arquétipos presentes na Psicologia Junguiana.

- Self: Segundo C.G. Jung é a totalidade da personalidade. Diferente do ego, que é a consciência pessoal, abarca tanto o consciente quanto o inconsciente, sendo o centro organizador da Psique. É a verdade essencial que nos guia em direção à individuação. Não se trata de algo a ser alcançado, mas de uma realidade a ser descoberta e experimentada. O Self é como o sol no centro do sistema psíquico. Tudo gira em torno dele, ainda que o ego, em geral, suponha ser o centro.

- Persona: A “máscara” que usamos para interagir com o mundo, representando como queremos ser vistos. Embora necessária para a vida social, uma identificação excessiva com a persona pode interromper o intercâmbio com o Self e o processo de Individuação.

- Sincronicidade: Na Psicologia Analítica é um conceito que descreve a ocorrência de duas ou mais situações que aparentemente não possuem relação causal entre si, mas que estão ligadas por um significado em comum para o indivíduo que a experiencia. É uma coincidência significativa. Para Jung a Sincronicidade é a manifestação de um princípio unificador subjacente que liga a psique individual aos eventos do mundo objetivo. Muitas vezes ela atua como um guia ou sinal que pode indicar um caminho a seguir, confirmar uma intuição ou trazer à consciência algo que estava inconsciente, auxiliando no processo de Individuação.

- Os Sonhos:

Na concepção de Jung os sonhos são uma das importantes vias de Comunicação do inconsciente com a consciência. Não são meros resíduos aleatórios de pensamentos e experiências diurnas ou a satisfação de desejos reprimidos, mas sim mensagens significativas e propositais que procuram nortear o indivíduo em seu desenvolvimento psicológico. Os principais motivos da importância dos sonhos são:

1) Podem apresentar Função Compensatória.( ex:. Se uma pessoa é muito ambiciosa, o sonho pode apresentar imagens que a lembrem da importância da generosidade)

2) Podem se apresentar como expressão do Inconsciente Pessoal e Coletivo.

3)Promovem Autoconhecimento e Individuação (fornecem Insights profundos sobre quem realmente somos)

4) Podem apresentar Função Prospectiva(antecipar desenvolvimentos futuros ou apontar um caminho a seguir)

5) Podem ser um Guia para a Terapia Analítica.

Jung – Um Libertador da Humanidade

Por que Carl Gustav Jung deve ser inserido no panteão dos grandes libertadores? A resposta reside na natureza da sua contribuição. Ele não libertou povos de regimes opressores ou de correntes físicas, mas de grilhões invisíveis que aprisionam a alma humana: a ignorância de si mesmo, o desconhecimento sobre o inconsciente e a fragmentação da personalidade.

Jung nos deu ferramentas para decifrar a linguagem dos sonhos, para compreender os símbolos que emergem das profundezas da mente e para reconhecer os padrões universais que conectam toda a humanidade. Suas descobertas nos encorajam a trilhar o caminho da Individuação, para quem sabe, nos tornarmos plenamente quem somos. Ao validar a importância do inconsciente, dos mitos, da espiritualidade e da totalidade do ser, Jung rompeu com paradigmas limitantes e abriu as portas para uma compreensão mais rica e profunda da experiência humana. Sua obra continua a inspirar muitas pessoas a buscarem a autoconsciência, através do autoconhecimento, a integrarem a “sombra”, sem medo de confrontá-la, para trilharem a caminho da Individuação e consequentemente de realização do Self.

Jung foi um legítimo Psiconauta que adentrou a dimensão Supramental para mapear e compreender o consciente e o inconsciente e encontrar um método terapêutico com credenciais para integrar e harmonizar todas as dimensões da personalidade, através do processo da Individuação.

“Só aquilo que somos realmente tem o poder de curar-nos.” — C. G. Jung

Leituras Essenciais de Carl Gustav Jung

Obras fundamentais de Jung

  • Memórias, Sonhos, Reflexões — autobiografia póstuma, revelando sua vida interior e seus encontros com o inconsciente.
  • Símbolos da Transformação — marco da ruptura com Freud e pedra angular da Psicologia Analítica.
  • O Eu e o Inconsciente — explora a relação entre ego e Self, fundamentais no processo de individuação.
  • Aion — estudo aprofundado sobre o arquétipo do Self e a simbologia do Cristo.
  • O Homem e seus Símbolos — última obra de Jung, voltada a tornar acessível sua teoria ao grande público.

Leituras complementares

  • Psicologia e Alquimia — Jung descortina a relação entre símbolos alquímicos e processos psíquicos.
  • Tipos Psicológicos — introduz o conceito de introversão e extroversão, base de muitas psicologias modernas.
  • Sincronicidade: Um Princípio de Conexões Acausais — introduz sua visão sobre coincidências significativas.

Indicações contemporâneas

  • Jung: O Mapa da Alma (Murray Stein) — uma síntese clara e acessível.
  • O Livro Vermelho — diário visionário, ricamente ilustrado, onde Jung explorou seu inconsciente.
Original do Livro Vermelho

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