Sumário
Quando o neurologista vienense Sigmund Freud criou a psicanálise, por necessidade clínica diante de quadros que não obtinham tratamento adequado por meio da clínica médica, encontrou muita resistência entre seus pares. Muitos diziam que seu trabalho não seria científico, no sentido tradicional da ciência laboratorial e experimental, ou que suas teorias seriam absurdas. Porém, também encontrou muita colaboração nos meios neurológicos e psiquiátricos, por parte de profissionais grandiosos, imensamente produtivos e de importância histórica, de fato, gigantesca. Um deles, por exemplo, foi Eugen Bleuler, criador do termo “esquizofrenia” e grande organizador da perspectiva sobre tal configuração clínica. Outro foi Carl Jung, que, por um bom tempo, atuou como assistente de Bleuler e, posteriormente, tornou-se criador da psicologia analítica.
A contribuição de autores dessa lavra fez com que surgisse a psiquiatria dinâmica, fundamentada na psicanálise e nos dinamismos emocionais dos pacientes, que podiam se movimentar entre o consciente e o inconsciente, entre pensamentos intrusivos e somatizações, delírios e descargas emocionais inicialmente incompreensíveis – e impressionantes.
Assim, apesar da resistência inicial, psicanálise e psiquiatria sempre se contribuíram mutuamente. Nos últimos tempos, especialmente entre as décadas de 70 e 90, houve, infelizmente, um afastamento maior entre esses campos, com a psiquiatria aproximando-se de áreas terapêuticas supostamente mais científicas ou que prometem soluções mais rápidas para as queixas dos pacientes.
No entanto, a partir de 1999, em um movimento que tem se aprofundado significativamente – especialmente no âmbito da língua inglesa (Inglaterra, Estados Unidos e África do Sul) e, mais recentemente, em lugares como França, Itália e Brasil, dentre outros – surgiu a neuropsicanálise: um fórum internacional de debates que resgata a relação inicial entre a neurologia, o surgimento e desenvolvimento da psicanálise, a psiquiatria e, desse modo, as interdisciplinaridades possíveis e respeitosas entre tais campos, seja em termos de clínica ou de pesquisa.
Apresenta-se, assim, um novo momento de colaboração entre psiquiatria e psicanálise, para pensar em conjunto as particularidades dos casos de pacientes que são atendidos por ambas as áreas, sem preconceitos ou rivalidades artificiais entre os profissionais envolvidos. Em decorrência disso, este texto é um convite a psiquiatras e psicanalistas para que se atualizem sobre o profícuo e internacionalmente reconhecido campo da neuropsicanálise, desvencilhem-se dos preconceitos setoriais e promovam, a cada vez mais, um diálogo que tende a contribuir com todos, destacando o que realmente interessa: os benefícios mais amplos que possam advir de cada tratamento.