O conto O contador de papéis, da psicóloga, música e escritora Ana Paula de Siqueira Leão, figura como pérola relevante, e esteticamente muito rica, da literatura goiana. Seu estilo caminha entre o Regionalismo, a literatura engajada e, a meu ver, o Surrealismo; de forma bem coordenada e eficiente.
O Contador de papéis se fundamenta em certo tipo de Regionalismo que abraça a característica da fala, da forma geral de expressão dos personagens, da ambientação e visão de mundo, para engajar-se em temáticas sócio-ambientais de extrema importância para nosso estado, nossa cidade e maneira de lidarmos com os recursos que temos, no dia a dia.
Assim, sem dar spoilers da história, e a convidar vivamente o leitor à exploração deleitosa do texto, vemos ele se situar na literatura engajada de maneira a fazer uso do Regionalismo: para seus fins, mas também como recurso lírico, que mostra os personagens, especialmente o protagonista, em suas comoventes lutas internas; isso faz com que mundo interno e externo se comuniquem e se confundam - desvelando, destarte, as agruras que perpassam e cortam as vivências de Joãozinho (protagonista) e os lúgubres episódios que violentam seu querido âmbito, o Córrego Cascavel, em dialética instigante, entre interior, exterior, conflito, fato e experenciação de si face ao próprio contexto.
O seu teor surreal, a meu ver, toca nas questões internas de Joãozinho que, psicanaliticamente falando, é tomado por imperativos superegoicos árduos; e, assim, o texto nos traz a questão, ainda: quais de nossos imperativos superegoicos, de culpa, cobrança, autossabotagem, que perpassem inconsciente e consciente, a partir de nossa própria história de vida; não teriam um teor mesmo surreal? Cabe ao leitor observar isso no texto, e talvez adotar para si - como reflexão.
Trata-se de conto exímio e de tamanho preciso, narrativa curta que atinge seus fins, às vezes delicada, às vezes, mais intensamente, em todo caso, fica como preciosidade de nossa literatura goiana. Um fato artístico.