Sumário
O discurso a seguir, feito ao lado da sepultura do dr. Joaquim Mendonça, foi publicado na íntegra em um Suplemento Especial do jornal Cinco de Março, do jornalista Batista Custódio:
ADEUS A UM AMIGO
MEU compadre — Esta é a palavra, turbada pela emoção e a tristeza do momento, que, numa exaltada admiração, apenas justificada pela amizade, você tanto gostava de ouvir nos comícios políticos e nas concentrações partidárias. Esta é, infelizmente a última, mais uma das nossas conversas e nossas confidências, das nossas impressões sobre os problemas e os fatos emergentes da vida. Desta vez só eu falo. Até altas horas, no aconchego de sua casa, aqui ou ali, pelas calçadas do interior, ou então sob a indicação de sua bússola, pelas vulneráveis estradas mineiras e nos almoços, costumávamos conversar longamente. As confidências trocadas nas sombras da árvore de nossa estrada se comunicavam às amizades e a confiança animava todos os seus comentários às decepções e aos revezes da existência. Um dia ele lhe disse:
— “Meu compadre, o oposicionismo em você não é uma convicção política, ante os males que corroem a Nação e o Estado. É uma posição em face da vida, um estilo de conduta pessoal.”
Naquele riso fino e sacudido, que emergia de sua estatura esquia, já prêsa quem sabe dos avisos da morte, sua satisfação explodiu tranquilamente.
— “O sr. acha?”
Sim, eu achava. Toda a sua existência foi uma tomada de posição contra a injustiça, a desigualdade, a arrogância dos fortes, a insolência dos covardes. No plano social, toda a sua sensibilidade foi dirigida no sentido de minorar as necessidades do ente pobre, de ajudá-lo, de postar-se ao lado dele, nas aperturas da saúde ou do estômago. Médico, sua bondade não era das que se omitem, nem ante a convenção, nem por força de determinadas conveniências e cidadão, chefe de família e amigo, sua dignidade natural, sua tranquila afeição, sua fraterna presença de homem despido e descoberto de maldades e mesquinharias, eram um permanente convite ao sofrimento dos impulsos, à moderação e à atividade meritória.
Sua fé religiosa, profunda e natural, sua certeza na imortalidade da alma, não lhe permitiam temer este momento, e foi por isso que sua morte até hoje, às 7,20 da manhã, apenas a sensação de alívio para os sofrimentos de seu filho, aliviado de fisica e a preocupação pelo futuro de seus filhos. Sua alma não teve medo. Ninguém menos que ele poderia recitar o salmo de Davi: “Deus é o meu pastor e nada me faltará. Conduzir-me-á aos de descanso. Refrigerará a minha alma.”
Se a minha emoção não me tolhesse por completo, eu ainda lhe havia de falar como sempre, agora que você real mal algum pode temer. E o faria com a mesma voz em que sempre dialogamos, relembrando que a vida é, simplesmente, uma sucessão de adeuses e toda viagem é, apenas, uma antecipação. Felizes os que se adiantam e com fé podem dizer que dever cumprido. E onde estiver, lembre-se de nós e não hesite em ajudar-nos, não afaste por nada de nós o seu espírito. Até que nós, seus amigos e sua família, nos reunamos num sítio melhor, “onde habitamos juntos por longos dias”.
Descanse, pois, tranquilo. O escuro dessa cova aberta só pode amedrontar aos que não entendem o sentido e a essência da vida.
Durma, pois, sem temor e sem mágoa.
O deputado Alfredo Nasser, íntimo amigo e admirador do Dr. Joaquim Mendonça, pronunciou à beira de sua sepultura, este belo, simples e comovente discurso. Foi publicado no “Jornal de Notícias” no dia 22 de novembro de 1956, e no mesmo dia em que, nove anos depois, ele também foi sepultado.