O texto de Ana Paula de Siqueira Leão chamou minha atenção por sua beleza ímpar. Por sua linguagem clara, e que, ao mesmo tempo, joga tão belamente com as dualidades: a noite, o brilho, a menina, a anciã; aspectos simbólico-metafóricos das diferentes fases da vida, e dos diferentes, muitas vezes antagônicos mesmo, conteúdos que trazemos dentro de nós, entre amor e ódio (ou amódio, para o qual aponta o psicanalista francês Jacques Lacan), coragem e medo, segurança e angústia...
Além disso, Ana Paula sinaliza para uma vontade de viver que faz valer de fato a pena presenciar sua escrita. Seu estilo de prosa poética, dentro então desses ímpetos vivíficos, faz-nos transitar entre as intensidades baudelairianas, dos desejos e afetos recônditos, às riquezas imagéticas de Rimbaud, que nos levam a fantasiar e até quase "alucinar" imagens - em teor lírico, criativo-plástico.
Suas frases fluidas: perdemo-nos em suas cadências que nunca deixam de lado o plano afetivo da vida, e fazem, assim, com que percebamos, também, seu compromisso com a musicalidade da escrita; não por acaso, Ana Paula, além de psicóloga e escritora, também é música; os acordes de sua arte perpassam suas letras, compondo-nos como leitores de suas melodias poiéticas, mesmo que visitemos qualquer um de seus textos em prosa... Assim, penso que a prosa poética é sua voz primeira, sua faceta literária mais densa e autêntica.
O título de O divã da noite é particularmente inspirador, pode fazer-nos pensar na "noite" do inconsciente; ante o teor freudiano do móvel divã; e também num lugar noturno de repouso e relaxamento, no qual pode surgir a inspiração (ou... então... podem advir as associações livres...)
Trata-se de escritora que é promessa única e profícua à literatura de nosso estado, e que é passível de construir voz própria interessante, rica e sutil, dentro da língua portuguesa. O divã da noite convida-nos a pararmos um pouco para lê-la, enriquecermos nossa imaginação, depararmo-nos com nossas associações a partir do texto, ou descansarmos e embevecermos nossos olhos numa textualidade profusa e bem colocada.