A brincadeira é um fenômeno emocional, uma ponte intrapsíquica que conecta o mundo interno e o mundo externo do ser humano. D. W. Winnicott foi um psicanalista pós-freudiano que se especializou particularmente neste tema – ele descobriu que o brincar, tanto para a criança quanto para o adulto, é salutar em uma vida criativa e interessante, e está ligado a um “verdadeiro self”, ou self autêntico.
Para Winnicott, o self verdadeiro (ou true self) desponta quando o ambiente (dizendo respeito especialmente à mãe ou ao cuidador) é suficientemente bom. Isso facilitará o desenvolvimento da criança, no sentido da espontaneidade e da criatividade, uma vez que ela poderá relaxar, podendo ser, assim, quem realmente é.
A capacidade de brincar está ligada ao true self, devido à existência do que Winnicott chama de espaço potencial, ou área intermediária entre o mundo objetivo da criança e o seu mundo subjetivo. Nesse espaço, a criança vivencia a criatividade, no sentido de tentar tolerar a ideia de que não foi ela quem “criou o mundo”, uma vez que, por exemplo, terá que lidar com a frustração de se separar, mesmo que apenas fisicamente, de sua mãe; quando começa a enxergá-la e a se enxergar por inteiro – naturalmente. Mas isso não quer dizer que ocorrerá o afastamento emocional.
Um ambiente propício, digno de confiança e amor, fidedigno, que é capaz de tolerar as projeções e inseguranças do bebê, uma vez que este(a) vivencia, inicialmente, um caos emocional, já que necessita de cuidados provisionais básicos e de alguém que pense por ele(a), que o(a) ensine a confiar em si mesmo(a) e no mundo que bem provisiona; que o(a) ensine a exercer a capacidade de amar, de perdoar, e de tolerar os sentimentos invasivos normais que possa ter – proporciona, somente assim, que a criança seja respeitada em seu desenvolvimento emocional. É essencial a existência desse ambiente propício para a brincadeira livre, criativa, espontânea, e assim por diante. Isso também favorecerá o amadurecimento, por conseguinte, do adolescente e do adulto.
Atualmente, estamos passando por momentos de muita instabilidade, tanto no campo econômico como no social (sem falar nos próprios traumas que temos de enfrentar). Muitas vezes, na tentativa de nos sentirmos pertencentes a um grupo ou a uma comunidade, obrigamo-nos a sucumbir a pressões de redes sociais para adquirirmos um modus vivendique mais nos vende do que nos satisfaz.
Assim, o que pode ocorrer é nos tornarmos mais estritos, apresentando sempre dificuldades de nos adaptarmos à vida como ela se mostra, sem nos colocarmos como sujeitos da nossa própria história.


Consequentemente, o brincar do adulto não será espontâneo ou cativante… E é daí que surgem as piadas pejorativas, as ironias e sarcasmos que vêm carregados de um falso self, o qual foi construído sem a liberdade de ir e vir, justamente por não ter ocorrido um ambiente facilitador, através de uma mãe ou do cuidador; que não conseguiu construir um clima de confiança e de fidedignidade com seu bebê.
Penso que precisamos (re)aprender a brincar: arriscar em um “risco”, tocar um instrumento, mesmo que por um momento; quem sabe fazer uma canção, inovar um prato e deixá-lo para lá de saboroso e bonito, ou arquitetar jogos de intimidade e prazer compartilhado; fazer uma psicoterapia ou, ainda, ligarmo-nos a alguma religião. Enfim… penso que devemos brincar um pouco mais e termos humor suficiente para lidarmos com as dificuldades que a vida nos impõe; termos mais calma com ela, mais otimismo e leveza, e fluirmos conforme o tempo nos convida a esperar: as tormentas passarem. Só assim acredito que teremos mais qualidade de vida.