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INFLUÊNCIA INTELIGENTE TODO DIA

Por que as pessoas gostam tanto de condutopatas?

O psicanalista Edson Manzan Corsi discute sobre a atração "perversa" pelo poder "sem limites", através da perspectiva da psicanálise.

Arte sobre uma mancha do teste de Rorschach (Adobe Stock)

Nas telas, como bem já se sabe; líderes políticos, chefes implacáveis ou criminosos carismáticos, como Tony Soprano ou Walter White, que dispensam maiores apresentações, cativam multidões. Na vida real, figuras autoritárias, que desdenham regras e ética, acumulam seguidores fiéis, e até pessoas que se dispõem, tacitamente, a se tornarem seus parceiros afetivo-sexuais; como podemos ver no caso de malfeitores que, já presos e condenados por seus crimes, recebem inúmeras mensagens que lhes propõem até mesmo casamento. Essa fascinação por personalidades por demais transgressoras, arrogantes e, muitas vezes, cruéis – os chamados, por vários autores importantes da psicopatologia, como, por exemplo, o grandioso psiquiatra forense brasileiro Guido Palomba, "condutopatas" – não é mero acaso. A psicanálise oferece chaves instigadoras para que tentemos decifrar tal atração perene, e tão ampla, pelas subjetividades que veem a si mesmas como absolutamente sem freios. 

Sigmund Freud, o criador da psicanálise, descreveu o superego como a instância psíquica internalizada que impõe, fora do controle consciente dos sujeitos, regras para si, imperativos morais e, obviamente, culpa (muitas vezes, inclusive, de forma exagerada e, assim, desnecessariamente exigente, se obtermos em vista a realidade e questões de fato práticas da vida). O condutopata, ao agir com desprezo absoluto pelas normas, encarna, portanto, uma fantasia universal: a de se libertar do jugo externo; e isso parece ser o mais importante e aliviador: do interno. Admiramos nele a coragem, e autopermissão, para fazer o que desejamos; contudo, não ousamos. Se falamos, destarte, das instâncias psíquicas freudianas, ele é a "personificação" do id desenfreado, do desejo "em si" (inconsciente mas que, de algumas formas, invade o consciente), sem as amarras que nos encerram. Essa "identificação projetiva" - com o condutopata - permitiria ao espectador, ou admirador, viver, vicariamente, certas rebeldias proibidas.

Carl Jung, o fundador da psicologia analítica, falava da "sombra" – o lado obscuro, rejeitado, tenebroso e inconsciente da personalidade. O condutopata atua como um receptáculo extremamente "apropriado" para projetarmos nele nossa própria agressividade, ambição desmedida ou vontade de domínio, aspectos que, é claro, reprimimos para viver em sociedade. Admirar o tirano, o fascista, o cínico, o crápula, é uma forma de lidar com nossa própria sombra sem assumir o teor de culpa aí jazente. Ainda, há a fantasia infantil de proteção onipotente – o desejo de um "pai" todo-poderoso, que resolveria tudo rapidamente e pela força, isentando-nos de responsabilidades e lidas com complexidades da existência. 

Em um mundo complexo e incerto, como este que experenciamos hoje, o condutopata oferece respostas simples e ações diretas (especialmente violentas). Sua aparente certeza e segurança são antídotos sedutores contra a angústia da contemporaneidade. Aqui, opera o mecanismo descrito pelo psicanalista húngaro Sándor Ferenczi como "identificação com o agressor". Diante de uma figura percebida como forte e ameaçadora, o indivíduo inconscientemente se submete, e adota irrefletidamente seus "valores", para evitar o sofrimento e sentir-se parte do poder vigente. 

Freud postulou, ademais, a existência de uma pulsão de morte (Thanatos), certa tendência à destruição e à repetição do caos traumático, catastrófico. A admiração pelo condutopata pode ser uma manifestação social dessa forma pulsional. Seu desprezo pela vida alheia; muitas vezes, também, pela própria autopreservação; sua busca pela desordem ("controlada" conforme seus caprichos) e sua eventual autodestruição ressoam com aspectos destrutivos presentes em todos nós; mesmo que, de diferentes formas, contidos. No caso do condutopata, assistirmos à sua ascensão e queda é como testemunhar um ritual catártico, no qual a violência interna seria purgada simbolicamente. 

Essa atração, porém, tem um custo social elevado... A glorificação da transgressão, do egoísmo radical e da violência legitima comportamentos tóxicos; e corrói os pilares da convivência democrática: empatia, diálogo e respeito (individual e coletivo) às leis. Transforma a ética em algo obsoleto, e inconveniente, e o narcisismo patológico em virtude. 

A paixão por condutopatas, por conseguinte, não revela apenas o "carisma" do vilão, mas reflete nossas próprias sombras, desejos recalcados e medos cotidianos. Trata-se de sintoma de uma sociedade que, ao mesmo tempo que condena a crueldade, se alimenta dela, no imaginário; e como catarse. Entender tal dinâmica, pela psicanálise, não é justificar, mas tentar lançar luz aos mecanismos recônditos que nos transformam em cúmplices, pelo menos psíquicos, do poder sem ética. Reconhecer essa atração pode ser um primeiro passo para que se confronte o que há de mais condutopata em cada um de nós – e escolher, talvez, não alimentá-lo excessivamente.  

(Este artigo foi gerado com o auxílio do modelo de linguagem DeepSeek-V3. O autor humano foi responsável pelo prompt inicial, pela edição, revisão, fact-checking e validação final do conteúdo)

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