Sumário
Começaria um livro para descrever essa multidão de sentimentos que é viver com malas prontas. Talvez fosse mais útil começar uma ponte, assim, do zero. Primeiro, eu teria que aprender sobre estruturas. Melhor ainda, teria que voltar à matemática básica e seguir, passo a passo, até conseguir erguer algo que me permitisse atravessar até você.
Eu queria escrever para você. Mas isso me pareceu demasiado romântico, direto. E eu já não me entrego a esses escritos. Prefiro pegar desvios, desdobrar palavras, tentar me expressar nas entrelinhas. Procuro caminhos complexos em vez de simplesmente comprar um bilhete. Uma passagem. Tudo a um clique, parcelado no cartão.
A ponte, o livro... São pretextos, razões aparentes para encobrir o verdadeiro motivo.
Minto enquanto escrevo o que não pode ser dito. Embora a mente reescreva, insista, redija. Eu não quero. Assumo a escolha. Opto pelo caminho mais difícil.
Quero escrever um livro, ou construir uma ponte. Quero desvendar os mistérios do afastamento, para mostrar meu esforço de aproximação.
Quero fazer poesia sobre o amor. Mas me enrolo em contas. E disso, só sei o básico. É assim no amor também? Um mais um é dois? Não sei dizer se, entre eles, há números indefinidos, conversas não ditas, travessões.
Não me resta nada além das palavras. Aquelas que busco para encobrir o sentimento. A rejeição. Que não é externa, não tome por certo que isso foi dito.
Eu não disse, você também não. Falo do amor na minha própria recusa. Minha resistência: em me permitir sentir sem tantas contas, sem desvios. É como se, ao me proteger das curvas, eu também me negasse a ele. construo barreiras, disfarçadas de livros e pontes, para evitar o salto.
E aí, me calo.