Qual o objetivo de uma psicanálise? Diz-se muito sobre isso de forma
bem vaga; chegar num "bem dizer", "bem dizer o sintoma", "elaborar as relações de objeto", etc., mas concebemos que esse ponto pode ser traduzido da seguinte maneira: o sujeito conseguir formar um jeito melhor de funcionar no dia a dia, tomar decisões de uma maneira mais segura, e ao mesmo tempo poder lidar de forma mais calma com o fato das coisas "darem errado", entender melhor seus limites, absorver que todos somos bem limitados e vulneráveis mesmo, e que na realidade não existe controle do que vai acontecer, a vida é multifatorial demais, e as pessoas complexas (e muitas vezes complexadas mesmo) em demasia, para que seja possível prever ou controlar algo, ou seja, resignar-se ao fato de que o jeito é viver as experiências, em suas estranhezas e absurdidades.
Falando e recebendo as intervenções do analista, o sujeito pode passar, de fato, a falar melhor, expressar-se melhor e obter os benefícios disso em seu cotidiano, relações e percepções, lidando, então, de forma mais rica com seus próprios furos, e os dos outros, passando assim a viver em meios mais dignos, interessantes, apesar de tudo, e de tantas falhas estruturais do humano e suas vivências entre si e com o mundo.
Percebemos ser possível falar, assim, desse aspecto, sem entrar em complicações conceituais desnecessárias ao público não "iniciado" na terminologia técnica freudiana e de demais autores. Por outro lado, muitos diriam que uma psicanálise não possui objetivo prévio, que ela "não serve para nada além de si mesma", ou que cada uma "vai dar" em algo. É uma linha de pensamento dentro do campo analítico, mas nos permitimos discordar: visamos que uma psicanálise perspectiva um trabalho com o sujeito de reorganização e abertura de possibilidades interessantes para a vida – o que fica em aberto é como isso será de fato para cada um, e como, nos processos particulares, a escuta vai respeitar mesmo o tempo e andamento dos processos. Sem impor algo ao paciente, e sem projetar que o melhor para si serve ao outro.
A psicanálise constitui um processo em que não há garantias, e no
qual não há espaço para o falseamento. Em todo caso, isso não diz respeito ao analista fazer-se de sádico; mas de ser ético. Esta ética se refere a escutar com calma sobre o sofrimento do outro, sem, numa primeira instância, julgar se esse sofrimento é superficial ou profundo, válido ou inválido; trata-se antes de perceber aos poucos o que a fala sobre esse sofrimento afinal vai trazendo, montando; qual o quadro delineado pelo expressar-se do paciente? Como entrar nele e, aí sim, pegar as figuras e as tinturas que são mesmo importantes para assimilar o funcionamento do sujeito e o(s) verdadeiro(s) porquê(s) de seu sofrimento? Tudo reside na escuta. Mas e a intervenção?
A fala do analista deve produzir mais associações e causar reações emocionais no paciente, fora isso, não conseguimos dizer qual intervenção, ou tentativa interpretativo-tradutória, é mais certa ou errada. Se o analista se arrisca, produz associações e afetos no paciente, este pensa nas questões levantadas nas sessões e se torna mais passível de realinhar, mudar, conceitos, posturas e jeitos nocivos ou sem graça de ser; a análise, então, está caminhando.