Sumário
Goiânia – Faleceu na última sexta-feira (11) o padre César Luís Garcia, administrador da Paróquia Mãe de Misericórdia, no Setor Sul da capital, e um dos sacerdotes mais atuantes da Igreja Católica goiana. Aos 71 anos, ele estava em tratamento contra um câncer – um tumor ósseo na região da bacia, segundo informado – mas manteve até o fim a fé e a serenidade.
Considerado uma referência religiosa na capital, com forte atuação pastoral, Padre César dedicou décadas de sua vida ao sacerdócio e à evangelização , sempre próximo do povo e engajado em causas sociais. Ordenado sacerdote em 12 de dezembro de 1984, pelas mãos de Dom Fernando Gomes dos Santos, primeiro arcebispo de Goiânia, assumiu com firmeza o compromisso de anunciar o Evangelho, ensinar a doutrina e viver o ministério em comunhão com a Igreja. Foram mais de 40 anos de serviço sacerdotal, marcados pela simplicidade, pela coragem e pelo amor ao próximo.
Coragem, fé e postura progressista
A trajetória de Padre César foi marcada pelo espírito de inclusão e por atitudes que romperam padrões tradicionais. Em 2014, ele ganhou projeção nacional ao abençoar a união de um casal homoafetivo em Goiânia, gesto que gerou ampla repercussão e lhe custou uma suspensão temporária de suas funções sacerdotais. Na época, o pároco esclareceu que estava presente na celebração como amigo do casal e que apenas proferira uma oração de bênção, não realizando um sacramento matrimonial. “Falei sobre o amor, a importância da vida e de acolher a todos, não disse nada que contrariasse a lei canônica”, defendeu-se então.
A decisão da Cúria Metropolitana de afastá-lo foi posteriormente revista: após recurso acolhido pelo Tribunal Eclesiástico em Brasília, Padre César pôde retornar ao ministério ativo. Mesmo sob críticas e pressões, nunca abriu mão do que acreditava – um cristianismo baseado no amor, na escuta e na dignidade humana. Seu nome tornou-se sinônimo de uma Igreja acolhedora, capaz de dialogar com as diferenças e caminhar ao lado dos que mais precisam de respeito.
Fiel ao espírito renovador do Papa Francisco, Padre César também se posicionou a favor de mudanças pastorais consideradas ousadas. Em entrevistas, manifestou apoio à discussão sobre o fim do celibato obrigatório para padres, entendendo que tornar o celibato opcional seria benéfico à Igreja. “Essa discussão será muito importante e salutar para a Igreja porque permitirá uma renovação do pensamento”, avaliou o sacerdote em 2015, acreditando que o Papa abriria esse diálogo.
Para ele, a possibilidade de padres casados poderia ser tratada “de modo facultativo e não mais obrigatório”, o que seria fundamental para a renovação da Igreja e para atrair vocações que se perderam devido à regra do celibato . Essa postura franca e progressista fez com que muitos o vissem como voz da ala mais aberta e inclusiva dentro da Igreja goiana.
Atuação pastoral, cultural e social
Ao longo de sua caminhada, Padre César conciliou a missão religiosa com ativa participação na vida cultural e pública. Fora do âmbito estritamente eclesial, ele ocupou cargos na administração municipal de Goiânia: foi secretário municipal de Cultura na gestão do então prefeito Nion Albernaz (PSDB), período em que promoveu a valorização das expressões artísticas locais e o diálogo inter-religioso. Mais tarde, serviu como assessor internacional na prefeitura de Iris Rezende, conhecido por evitar viagens oficiais – função em que Padre César, ao contrário, esteve frequentemente em voo entre o Brasil e o Oriente Médio. Nessa época, tornou-se guia de diversos grupos de peregrinos à Terra Santa, coordenando viagens religiosas a Israel. A cada caravana, fortalecia laços espirituais e culturais com as comunidades cristãs do Oriente Médio, numa iniciativa pioneira que aproximou Goiânia dos cenários bíblicos e reforçou a fé dos participantes.
Na esfera paroquial, Padre César sempre buscou novas formas de acolher e evangelizar. Sob sua liderança, a Paróquia Mãe de Misericórdia inovou ao aproximar-se de fiéis de diferentes origens. Segundo noticiado pelo jornal O Popular, ele obteve autorização do arcebispo para celebrar, mensalmente, missas em inglês – a primeira vez na história da Arquidiocese de Goiânia – a fim de atender católicos estrangeiros residentes na capital, mostrando sensibilidade às necessidades de uma comunidade internacional.
Em suas próprias palavras, “evangelizar é acolher bem, visitar, dar testemunho da Palavra de Deus e celebrar com a certeza de que o liturgo é o próprio Cristo”. Fiel a esse princípio, o pároco fortalecia os laços comunitários através da visitação constante e de uma liturgia participativa. Ele também incentivou fortemente as obras sociais na igreja: com o apoio da Sociedade São Vicente de Paulo (Vicentinos), a paróquia ampliou a assistência aos mais necessitados. Para Padre César, os Vicentinos representavam “um sinal maravilhoso da misericórdia de Deus”, indo além da distribuição de alimentos e buscando a promoção humana integral dos atendidos. Essas ações solidárias refletiam sua convicção de que a fé sem obras carece de sentido – e de que a Igreja deve ser antes de tudo casa de misericórdia para todos.
Velório, missa e sepultamento
Desde as 7 horas da manhã, deste sábado (12), uma multidão de fiéis, amigos e familiares passou a acorrer ao velório, realizado na Paróquia Mãe de Misericórdia, para prestar as últimas homenagens ao sacerdote. Entre abraços e orações, muitos relembravam o sorriso afável e as palavras de conforto que o padre sempre tinha a oferecer. O ambiente foi tomado por orações de gratidão pela vida do pastor que, por décadas, conduziu seu rebanho com zelo, coragem e bondade.
A missa de corpo presente está marcada para as 15h, na própria igreja, reunindo a comunidade em uma despedida carregada de fé e emoção.
O sepultamento, previsto para as 17h no cemitério Jardim das Palmeiras, em Goiânia, sela um capítulo importante da história da Igreja local.
Entre os presentes e nas redes sociais, o sentimento é unânime de luto e reconhecimento. Fiéis e amigos destacam o legado deixado por Padre César – um legado de fé viva, acolhimento aos excluídos e defesa inabalável do Evangelho como instrumento de justiça e amor. “Perdemos um pastor querido, mas seu testemunho permanecerá vivo em cada um de nós”, resumiu um dos paroquianos, traduzindo a voz coletiva de uma comunidade que aprendeu com ele a ver na misericórdia o centro da mensagem cristã.
Padre César Luís Garcia parte aos 71 anos, mas deixa um exemplo inspirador de serviço e humanidade que será lembrado por gerações. Sua trajetória singular, do altar às ações sociais, do diálogo inter-religioso às bênçãos corajosas, ecoa como um convite à Igreja para ser cada vez mais acolhedora e aberta ao próximo, exatamente como ele viveu e ensinou.
Repercussão
Jornalista Ana Cláudia Rocha
A jornalista e escritora Ana Cláudia Rocha, conhecida por sua longa carreira no jornalismo, atuação na literatura e preservação da memória do pai, o prosador, escritor e poeta goiano Benedito Odilon Rocha, fez uma homenagem ao padre César em suas redes sociais. Leia a íntegra:


Os irmãos Ana Cláudia Rocha, Hélio Rocha e Eduardo Rocha em registro ao lado do Pe. César Garcia
O AMIGO PARTIU
Hoje nos despedimos do padre César Garcia. Um sacerdote que conhecia a igreja como poucos. Um grande pregador. Suas celebrações eram verdadeiras aulas com a precisão dos detalhes que ele transmitia. Detalhes canônicos e históricos. Sua homilia era uma bênção. Ninguém saía da igreja sem entender as palavras bíblicas e o contexto. Assim ele conquistou muitos fiéis, como minha filha Natália, em sua juventude.
Muito inteligente e culto, ele conhecia boa parte do mundo. Gostava de viajar e tinha um programa de viagem turística por lugares sagrados e históricos. Quem fazia esse programa retornava mais rico e culto. Meu irmão Hélio e minha cunhada Jane celebraram suas Bodas de Ouro em um passeio com ele pela Terra Santa, em Jerusalém.
Teve passagens polêmicas, talvez por seu perfil libertário, humano, já que era um ser como todos nós. Há poucos anos, eu me envolvi em um momento marcante da sua trajetória. Padre César abençoou um casamento homoafetivo de um casal de amigos seus. Eu, na época colunista de jornal, noticiei o fato. Por não ser permitido pela igreja, padre César foi afastado por um tempo. De mim ele nunca sentiu mágoa. Pelo contrário, seguimos com nossa amizade e ele me informou depois que estava retornando para as celebrações. Pediu que eu divulgasse em primeira mão.
E é dessa amizade que quero falar. De sua generosidade e solidariedade. Padre César esteve com minha família nos momentos mais marcantes, na alegria e na tristeza. Era muito amigo do Hélio. Ele visitou meu irmão nos seus últimos dias no hospital, levando ao amigo a extrema unção. Celebrou missa de corpo presente, de sétimo dia, de um mês, de um ano para a memória de Hélio. Da mesma forma que fez na despedida de Jane, sua amiga e grande admiradora.
Nessa última celebração, em março deste ano, percebi que César não estava bem, a voz fraquinha, os pensamentos meio confusos. Soube depois que era um câncer. Mandei mensagem a ele, que me respondeu e falou que iniciaria a quimioterapia. Numa segunda mensagem dias depois, ele já não me respondeu. Estava acamado e recluso. Mas eu acreditava na sua recuperação. Até que veio o susto hoje, nesta manhã fria de sábado.
Além de Hélio, padre César também esteve celebrando a passagem de meu irmão Reynaldo, outro seu amigo, anos antes. Um bom tempo atrás, foi Reynaldo quem pediu ao padre que se despedisse de nossa mãe Ana. Uma noite de domingo, lá estava ele, nos levando conforto no velório. Mas sua generosidade era grande. E ele atendeu meu pedido para a despedida de meu cunhado Alberto, com quem não teve tempo de fazer amizade, mas a quem acolheu por amor a nossa família.
Uma das maiores alegrias que tivemos foi a celebração póstuma do centenário do meu pai Benedito. Tive alguma dificuldade para conseguir um padre que celebrasse a missa. Até que procurei o padre César. E foi tudo perfeito, amoroso mesmo. A igreja ficou lotada e a missa foi inesquecível. Repetimos essa bênção no centenário póstumo de nossa mãe, outra celebração acolhedora e amigável.
Hoje o coração está doendo, apertado, porque acreditávamos na sua recuperação, mesmo sabendo da gravidade da doença. Mas entendemos que somente Deus sabe de todas as coisas. Certamente está acolhendo nosso amigo. Nós ficamos com a gratidão por tudo. Chorando, mas na certeza de sua alegria na vida eterna. Que nossa Mãe de Misericórdia interceda por sua alma.
A Associação Goiana de Imprensa
NOTA DE PESAR E RECONHECIMENTO AO LEGADO DO PADRE CÉSAR GARCIA – Restavam 25 minutos para finalizar a sexta-feira do dia 11 de julho, quando o padre César Luis Garcia se despediu da sua experiência terrena. Aos 71 anos de idade, dos quais 40 dedicados ao sacerdócio, padre César Garcia não resistiu às complicações de um câncer ósseo iniciado na região da pélvica. Nos últimos dois anos, ele, mesmo vivenciando dores, optou pelo silêncio.
A revelação da doença, porém, aconteceu recentemente. O velório, que inicia às 7 horas deste sábado (12), acontecerá na Paróquia Mãe de Misericórdia, no Setor Sul, onde o padre César era o pároco. A Missa de Exéquias está prevista para acontecer às 15 horas. Duas horas mais tarde, o seu corpo será sepultado no Cemitério Jardim das Palmeiras.
No início de julho, a comunidade lançou a campanha ‘Livro de Ouro’ para arrecadar doações em apoio ao tratamento terapêutico do sacerdote. Em carta emocionada, ele agradeceu: “Estou sendo curado e feliz pela amizade de vocês”.
O falecimento do Padre César Garcia deixa a AGI, os setores culturais de nosso estado e toda a legião de católicos que integraram seu rebanho mergulhados em um profundo sentimento de orfandade. A ausência deste notável sacerdote, cuja trajetória foi entrelaçada de forma singular à vida cultural, social e religiosa de Goiás, representa não apenas a perda de um líder espiritual, mas de um verdadeiro mentor e amigo para incontáveis pessoas.
Ao longo de mais de quatro décadas de sacerdócio, celebradas em dezembro de 2024, Padre César Garcia construiu uma história marcada por dedicação, erudição e humanismo. Natural de Itauçú-GO, tendo por pais Maria Rita de Sousa e José Garcia de Souza, enriqueceu o cenário intelectual e espiritual não apenas como pároco, mas também como estudioso e promotor incansável da cultura: licenciado em Filosofia, estudou Teologia, artes plásticas e os idiomas francês, espanhol e latim.
Sua atuação extrapolou os limites da Igreja Católica e Apostólica, tornando-se professor universitário, secretário municipal de cultura, presidente do programa de proteção de testemunhas do Estado de Goiás (Provita) e assessor especial em relações internacionais (AERI). Especialista em antropologia das viagens, cultura e história, deixou ainda sua marca como autor de obras relevantes, como ‘Confaloni no presente’ e ‘Iris’.
Padre César era, também, um genuíno inovador, sem perder de vista o coletivo, ao qual não poupava formas pioneiras de evangelização. Ele foi o primeiro a transmitir missas pela internet, quando no comando da Igreja Nossa Senhora das Graças, a Reitoria, ao lado do Cetro de Convenções de Goiânia.
Neste momento de despedida, a Associação Goiana de Imprensa (AGI) os setores culturais, a comunidade católica e todas as pessoas tocadas por seu legado unem-se em prece e gratidão. Sentimo-nos órfãos, mas profundamente gratos por termos convivido com um ser humano tão distinto, cuja presença continuará a ressoar nos altares da memória coletiva e nos corações de cada um que teve a honra de partilhar de sua jornada. Uma despedida marcada pela gratidão, pela saudade e pelo compromisso com a memória.