Sumário

As decisões absurdas ou as condutas infelizes podem ocorrer por múltiplas razões. Uma delas é simplesmente a falta de reflexão. Se definirmos o mal, de modo restritivo, como “o que é suscetível de prejudicar e fazer sofrer”, parece evidente que um déficit de inteligência pode gerar as situações mais desoladoras… ou fatais.
Nesse caso, aquilo que prejudica, faz sofrer ou mata (a definição muito restrita de mal que adotamos aqui) pode ser causado pela irreflexão (a concepção, também limitativa, de burrice adotada aqui). Essa irreflexão pode ser estável (por exemplo, devido a um quociente de inteligência baixo) ou resultar de uma escolha extremamente mal informada (por exemplo, seguir os conselhos de um charlatão).
Idiotas não duram muito (bem, nem sempre)
No que diz respeito ao QI, embora doa admitir, existe sim uma relação entre um QI baixo e a vivência de acidentes. Um estudo sueco recente comprovou isso em grande escala, medindo o quociente de inteligência de um milhão cento e dez mil jovens adultos e, depois, verificando suas internações hospitalares no quarto de século seguinte.
Cerca de 18% dos homens foram hospitalizados pelo menos uma vez por lesão acidental, na maioria das vezes quedas, acidentes de trânsito, intoxicações, incêndios e afogamentos. Após o ajuste de variáveis sociodemográficas, ficou evidenciado que um QI baixo aumentaria o risco de necessidade de atendimento médico por causa de uma lesão¹.
Pesquisadores que têm a paciência de acompanhar, por várias dezenas de anos, coortes de participantes conseguem relacionar o nível de inteligência de um adolescente com seus indicadores de saúde trinta anos mais tarde. Um estudo norte-americano correlacionou o QI de quase 13 mil jovens de 14 a 21 anos com 13 índices de saúde, como infarto ou diabetes aos 50 anos, aplicando os controles estatísticos adequados (por exemplo, neutralizando o efeito do nível socioeconômico).
Ter um QI mais elevado produziria um efeito benéfico em todos os indicadores de saúde. Isso foi confirmado por uma meta-análise que agregou 20 estudos longitudinais realizados em países como Austrália, Estados Unidos, Dinamarca, Luxemburgo, Suécia e Reino Unido. Concluiu-se que pessoas com inteligência pelo menos um desvio-padrão acima da média tinham uma taxa de mortalidade 21,6% menor, independentemente do sexo ou da classe social².
A inteligência coletiva certamente conta muito mais do que os pequenos QIs individuais. Se olharmos para o passado recente, é preciso lembrar que, entre as felizes consequências da racionalidade celebrada pelo Iluminismo, estão a tecnologia e a medicina. Em seu libelo em favor da razão, o psicólogo Steven Pinker, professor em Harvard, lembra que “a revolução industrial lançou um grande movimento de fuga da pobreza, da doença, da fome, do analfabetismo e de uma morte prematura”³.
Uma consequência bem tangível da inteligência coletiva humana são os 80 anos que um europeu médio pode esperar viver hoje, quando morria aos 35 em meados do século XVIII!
O grande salto para trás: a burrice como decisão mal informada
Às vezes, não é a falta de inteligência, mas uma confiança (mal) depositada em cientistas esdrúxulos que conduz à catástrofe. É provável que não exista pessoa na Terra cujas diretrizes ineptas tenham matado mais conterrâneos do que o fundador da República Popular da China, Mao Tsé-Tung.
Uma das causas da hecatombe provocada pelo Grande Timoneiro foi sua reforma agrária desastrosa, iniciada nos anos 1950: ela causou a fome mais mortífera já conhecida pela humanidade, ceifando a vida de 45 milhões de chineses. Para tanto, o governo central aplicou em larga escala as teorias pseudocientíficas arquitetadas pelo soviético Trofim Lysenko, como a doutrina segundo a qual a exposição de sementes e mudas ao frio quadruplicaria o rendimento agrícola, otimizando sua adaptação ao meio. Também impôs o aumento drástico da densidade de plantio e o revolvimento do solo até um ou dois metros de profundidade — medidas profundamente antiagronômicas.
A competição entre plantas excessivamente próximas reduziu seu crescimento, e o arado profundo fez aflorar rochas e areia que, ao recobrir as terras cultiváveis, esterilizaram os solos. O desastre alimentar foi agravado pela campanha massiva dos “quatro pestes”, lançada em 1958, que tinha como alvos ratos, moscas, mosquitos e pardais — estes últimos acusados de prejudicar as colheitas ao bicar sementes nos campos e armazéns.
Segundo artigo do Times publicado em maio de 1958, para exterminar esses pequenos passeriformes, “divisões de soldados se espalharam pelas ruas de Pequim, seus passos abafados por tênis de sola de borracha. Estudantes e funcionários em túnicas de colarinho fechado, assim como escolares levando panelas, frigideiras, conchas e colheres, tomaram discretamente seus postos. De acordo com a Rádio Pequim, o efetivo total somava 3 milhões de homens.”
Estima-se que cerca de 4,5 milhões de aves tenham sido massacradas em maio de 1958. Ainda segundo a imprensa da época, “o herói nacional era Yang Seh-mun, de 16 anos, de Yunnan. Ele havia matado 20 mil pardais esgueirando-se durante o dia em busca de árvores para ninho. À noite, como relatava orgulhosamente a China Youth, subia nas árvores e estrangulava famílias inteiras de pardais com as próprias mãos”.
As consequências dessa campanha foram calamitosas… exceto para os gafanhotos, cuja população explodiu na ausência de seu principal predador emplumado. Atacando as lavouras, esses insetos devastadores provocaram um colapso da produção agrícola e uma fome apocalíptica.
A burrice mata
Talvez o mais trágico na estupidez resida no fato de que suas consequências extravasam para inocentes. As crenças absurdas dos outros podem sair caro para você. Na França do século XV, numerosas execuções resultavam de acusações de feitiçaria. A feitiçaria continua a existir no país, mas suas consequências tornaram-se benignas, apesar dos 50 mil feiticeiros, astrólogos, videntes e “endireitadores” recenseados pelo etnólogo Dominique Camus.
Nem todos os lugares, porém, são assim: uma análise dos principais jornais da Papua-Nova Guiné entre 1996 e 2021 contabilizou 655 mortes ligadas a acusações de bruxaria. Um relatório das Nações Unidas alerta que, em certos países, pessoas albinas (nascidas com déficit de melanina e apresentando manchas cutâneas descoloridas e mechas de cabelo branco) são mortas simplesmente porque outros desejam retirar seus ossos, órgãos genitais ou polegares, por seus supostos poderes — depois secos, moídos e lançados ao mar para favorecer a pesca, espalhados no chão para encontrar ouro, ou usados em toda sorte de fins mágicos, como influenciar uma eleição.
Não é preciso, contudo, viajar no tempo ou no espaço para constatar que a estupidez alheia pode custar a sua vida. Pessoas que o expulsam violentamente do carro para fugir com ele, ou o agridem por qualquer motivo, raramente são laureadas com um Nobel.
Um estudo conduzido em Chicago mostra que um QI baixo aos 6 anos é estatisticamente preditivo de prisões por crime violento aos 32. Uma síntese de quinze estudos prospectivos, realizada no Instituto de Criminologia de Cambridge, confirma que jovens delinquentes costumam ter um QI inferior ao dos demais — em média, 8 pontos a menos, segundo estimativas⁴. É mais simples constatar esse fato do que explicá-lo: pode-se supor que um bom QI prenuncie boa escolaridade, favoreça a integração social ou constitua um recurso útil para compreender o princípio de causa e efeito e aplicá-lo às próprias condutas.
Na contramão da estupidez, como defendeu notoriamente Victor Hugo, a educação salva vidas e evita prisões. Nessa linha, o economista Frédéric Puech documentou bem a relação entre alfabetização ou taxa de educação primária e secundária das populações e homicídios, tentativas de homicídio e agressões em 723 municípios de Minas Gerais, um dos 26 estados brasileiros.
Em escala global, uma pesquisa colossal cobrindo 187 países confirma o vínculo inverso entre homicídios e nível de educação⁵. Contudo, os autores se depararam com uma grande surpresa: entre as mulheres, ocorre o inverso — mais diplomas caminham junto com mais homicídios! As coisas, portanto, não são tão simples, ainda que valha recordar que 90% dos autores e 80% das vítimas de homicidio não são mulheres…
À procura da razão, desesperadamente
A falta de racionalidade ou de inteligência provavelmente contribui para o fardo que a humanidade carrega por suas pequenas imperfeições. Gerando incontáveis vítimas, a estupidez causa sem dúvida mais sofrimento e afasta mais da prosperidade do que a reflexão. Em sentido inverso, no plano individual, a empatia e as condutas pró-sociais aumentam sensivelmente com os coeficientes de inteligência, como mostrou um estudo na Universidade de Shandong, na China⁶.
É claro que as calamidades humanas são muito frequentemente provocadas por causas que vão muito além de um déficit de compreensão ou de erros de raciocínio. Além disso, é evidente que, não apenas um QI baixo é uma medida muito particular e discutível de burrice, como também seu elo com comportamentos que prejudicam a si ou a outrem existe, mas é modesto.
O ressentimento, a incapacidade de resistir a gratificações imediatas em detrimento de objetivos mais vantajosos, ou a busca agressiva e de curto prazo de interesses pessoais ou tribais contribuem com certeza para a desgraça humana. Ainda assim, talvez não seja tolice acreditar que a lucidez e a racionalidade nos preservam de muitos males — e, por isso mesmo, merecem ser cultivadas e transmitidas.
O darwinismo aplicado à burrice
Em 3 de fevereiro de 1990, em Renton, nos Estados Unidos, um homem sem qualquer antecedente judicial improvisa um assalto à mão armada em uma loja de armas cheia de clientes. O carro-patrulha de um policial está estacionado a poucos metros, e o agente, de uniforme, apoia-se no balcão. O assaltante de ocasião avança, bradando que está ali para um roubo, e, para dar o exemplo, não hesita em disparar alguns tiros de advertência.
Ninguém ao redor fica ferido, mas o importuno terminará o dia no necrotério, crivado de balas. Tal “feito” lhe valerá um Prêmio Darwin, distinção sarcástica atribuída postumamente aos energúmenos que, ao se eliminarem de maneira estúpida, poupam à espécie humana a propagação de seu patrimônio genético. Entre humanos, a estupidez nunca depôs as armas — e seus efeitos nefastos não nasceram ontem.
Assim, o estudo das causas de morte no século XVI, no país de Darwin, mostra que ingleses faleciam das maneiras mais extravagantes: “presos numa janela; esmagados por torrões de turfa empilhados; estrangulados pela correia que prende um cesto às costas; caindo de um penhasco durante uma caça a corvos-marinhos; ou ainda transpassados pela própria faca ao tentar degolar um porco.” Em toda época e sob todos os céus, a burrice do Homo sapiens — mal nomeado — o expõe a encolher-se da pior maneira.
Laurent Bègue-Shankland
Professor de psicologia social na Universidade Grenoble Alpes, membro do Institut Universitaire de France, dirige a Maison des Sciences Humaines Alpes (CNRS/UGA). Publicou, entre outros, L’Agression humaine (Dunod, 2015) e Psychologie du bien et du mal (Odile Jacob Poches, 2023).
¶ Notas
- Macarena Sánchez-Izquierdo et al., “Intelligence and life expectancy in late adulthood: A meta-analysis”, Intelligence, vol. 98, 2023.
- Maria M. Ttofi et al., “Intelligence as a protective factor against offending: A meta-analytic review of prospective longitudinal studies”, Journal of Criminal Justice, vol. 45, 2016.
- Steven Pinker, Le triomphe des Lumières. Pourquoi il faut défendre la raison, la science et l’humanisme, Les Arènes, 2018.
- Maria M. Ttofi et al., op. cit.
- Julio H. Cole e Andres Marroquin Gramajo, “Homicide Rates in a Cross-Section of Countries: Evidence and Interpretations”, Population and Development Review, vol. 35, 2009.
- Qingke Guo et al., “Why are smarter individuals more prosocial? A study on the mediating roles of empathy and moral identity”, Intelligence, vol. 75, 2019.
Nota do Tradutor: Nesta artigo “burrice/estupidez” como equivalentes de connerie, variando conforme o tom do trecho para preservar a força estilística do original. Em outros textos do dossiê adotei a expressão “babaca”, pois a ironia e a provocação fazem parte do estilo de alguns dos autores.