O psicanalista austríaco Viktor Tausk escreveu sobre o aparelho de influenciar na psicose, em ensaio de teor clínico riquíssimo e profundo, e trouxe à tona uma reflexão sobre certas especifidades do fenômeno psicótico que envolveriam uma máquina (ou aparelho), imaginada, fantasiada, alucinada; talvez, possa-se dizer de modo mais panorâmico, projetada; que influenciaria o corpo, o psiquismo, o ser do sujeito, fazendo-o agir, sentir-se e perceber o mundo de forma automática, irrefletida, como se fosse uma vítima direta e inescrupulosamente influenciada pela máquina, cuja função “conhecida” seria desempenhar tal dominância psíquica e somática.
O sujeito tornar-se-ia, assim, espécie de autômato, direcionado, tomado, pelos imperativos e tendências advindos desse estranho, imprevisível e idiossincrático dispositivo. Parte considerável da psicose, de muitos pacientes atendidos por Tausk, em instituições psiquiátricas, dizia respeito a esse quadro de automação de si mediante os caprichos, ordens e efeitos do aparelho mentalmente figurado e projetado.
Hoje, ao que tudo indica, vivemos a época da psicose de influenciar o aparelho: os sujeitos, ao procurarem realizar “psicoterapias” com dispositivos de Inteligência artificial, criam um cenário em que são eles que fazem, e controlam, as perguntas ao aparelho, apresentam argumentos e narrativas conformem bem entendem, não são questionados em suas falas, apenas respondidos com diagnósticos ou aconselhamentos que buscam e se baseiam em dados da Internet, além de que grande parte das inteligências artificiais possuem a programação de confirmar e agradar o usuário. Psicoterapia não é diagnóstico ou aconselhamento, o diagnóstico sendo mera parte do processo, talvez nem a mais importante, em muitos casos.
Ademais, inteligência artificial não é capaz de trabalhar o silêncio em sessão, trazer questões que podem não ter sido mencionadas pelo paciente, mas que se mostram válidas no processo, fazer pensar sobre respirações, gestos, olhares, contextos. Em termos de pesquisa sobre a singularidade e intervenção sobre a subjetividade, a exclusividade com a máquina embota; isola do outro, somente.
A IA pode ser viável para analisar-se colossais quantias de dados, relacionadas, por exemplo, a resultados e panoramas sobre questionários e testes psicológicos. A utilização de algoritmos, ainda, pode auxiliar na identificação de padrões sintomático-comportamentais e delinear perfis psicológicos com alguma precisão.
Psicólogos que trabalham em searas de pesquisa laboratorial, análise comportamental e psicometria talvez se beneficiem dessa plausível otimização. Contudo, apesar de mostrar-se conveniente na coleta e processamento de dados e informações, a interpretação subjetiva dos resultados, a capacidade de intervenção eficaz de fato, e a assimilação do contexto individual dependem do psicólogo ou psicanalista humano.