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Muitos “sem religião” ao redor do mundo mantêm crenças espirituais, revela estudo global

Pesquisa inédita do Pew Research Center, realizada em 22 países, mostra que mesmo entre aqueles que se declaram sem filiação religiosa — ateus, agnósticos ou “nada em particular” — crenças como vida após a morte, Deus e forças espirituais continuam presentes em graus variados

Vagalumes brilham na floresta do interior do Japão. (tdub303/Getty Images)

Sumário

O fenômeno da desfiliação religiosa cresce em praticamente todos os continentes. Mas, ao contrário do que se imagina, o afastamento institucional da religião não significa ausência de fé ou espiritualidade. Muitas pessoas ao redor do mundo que não se identificam com nenhuma religião, ainda assim, mantêm uma variedade de crenças espirituais e religiosas, incluindo a crença na vida após a morte.

É o que revela a nova pesquisa do Pew Research Center, publicada em setembro de 2025, que entrevistou mais de 34 mil pessoas em 22 países com grandes populações de adultos sem religião. Os resultados revelam nuances que desafiam estereótipos: muitos “nones” (como os pesquisadores chamam os que se dizem sem filiação religiosa) mantêm crenças e práticas espirituais, ainda que rejeitem rótulos confessionais.

O número de adultos que não possuem afiliação religiosa — descrevendo-se como ateus, agnósticos ou “nada em particular” — tem crescido rapidamente no passado recente na América do Norte, Europa, partes da América Latina e alguns países da região Ásia-Pacífico, como Austrália e Coreia do Sul. O grupo é frequentemente chamado de “sem religião” ou, no termo original do estudo, “nones”.

Em geral, pessoas sem afiliação religiosa são menos propensas a manter crenças espirituais, menos inclinadas a participar de práticas religiosas e mais propensas a ter uma visão cética sobre o impacto da religião na sociedade do que cristãos, muçulmanos e pessoas que se identificam com outras religiões.

Contudo, percentuais consideráveis de adultos não afiliados mantêm algumas crenças religiosas ou espirituais, segundo nossas pesquisas nacionalmente representativas.

A Crença em Deus e em uma Realidade Espiritual

A crença em Deus é notavelmente alta entre os “sem religião” em certas partes do mundo, especialmente na América Latina e África. No Brasil, por exemplo, impressionantes 92% dos “nones” afirmam acreditar em Deus, um número que permanece elevado na Colômbia (86%), África do Sul (77%) e Chile (69%).

Em contraste, os não afiliados na Europa e na Austrália são muito menos inclinados a acreditar. Apenas 18% dos “nones”na Austrália, 10% na Suécia e 9% na Hungria são crentes. Nos Estados Unidos, 45% dos “sem religião” dizem acreditar em Deus.

Essa disparidade regional sugere que o contexto cultural ainda molda profundamente as crenças individuais, mesmo na ausência de uma afiliação religiosa formal.

Além da crença em uma divindade, muitos expressam uma espiritualidade mais difusa. Grandes parcelas de “nones” em alguns países dizem que “há algo espiritual para além do mundo natural, mesmo que não possamos vê-lo”. Por exemplo, 65% no Brasil e 61% no México compartilham dessa visão.

Vida Após a Morte e a Espiritualidade na Natureza

A crença na vida após a morte é outro ponto surpreendente. Em todos os 22 países, cerca de um quinto ou mais dos “nones” acreditam em uma existência póstuma. As parcelas que dizem haver definitivamente ou provavelmente uma vida após a morte variam de 19% dos adultos não afiliados na Hungria a 65% no Peru. Em sete dos 22 países, 50% ou mais de todos os “nones” mantêm essa crença.

Outra crença relativamente comum entre pessoas que não se afiliam a nenhuma religião é que animais podem ter espíritos ou energias espirituais. Na Grécia e em vários países latino-americanos, pelo menos três quartos dos “nones” acreditam nisso.

Quem são os “sem religião”?

Em quase todos os 22 países analisados neste relatório, o maior subgrupo de “nones” é composto por pessoas que dizem que sua religião é “nada em particular”, em vez daqueles que se identificam como ateus ou agnósticos.

De fato, na maioria dos países, especialmente na América Latina e na Ásia, o percentual de adultos que descrevem sua religião como “nada em particular” é maior do que a soma de ateus e agnósticos. Por exemplo, 12% dos adultos no Brasil se dizem sem religião particular, enquanto 2% se identificam como agnósticos e 1% como ateus. Dos 22 países analisados, apenas na Grécia e na Itália o ateísmo é a afiliação mais comum entre os “nones”.

O perfil secular e o ceticismo

Embora parcelas consideráveis de “nones” mantenham crenças espirituais, alguns expressam uma visão de mundo consistentemente secular — dizendo que não acreditam em Deus, nem na vida após a morte, nem que exista “algo espiritual para além do mundo natural”.

Na Suécia, onde 52% dos adultos não têm afiliação religiosa, cerca de metade dos “nones” (ou 28% da população adulta total) expressa descrença em todas as três medidas. Este grupo, que podemos chamar de “consistentemente secular”, representa uma parcela significativa da população em países como Austrália (24%), Holanda (24%) e Coreia do Sul (23%).

Em contraste, nas Américas, a parcela da população que pode ser descrita como consistentemente secular é muito menor. No México, por exemplo, 20% dos adultos são “nones”, mas apenas 2% da população total se enquadra no perfil que nega as três crenças. Nos EUA, esse número é de 8% da população.

Visão sobre o impacto da religião na sociedade

Muitos “nones” expressam visões negativas sobre a influência da religião na sociedade. Em 12 dos 22 países estudados, os adultos sem afiliação religiosa são mais propensos a dizer que a religião encoraja a intolerância do que a tolerância. Na Alemanha, quase três quartos dos “nones” afirmam que a religião promove a intolerância.

Essa visão crítica é muito mais acentuada entre os “sem religião” do que entre os afiliados. Na Austrália, por exemplo, 76% dos “nones” dizem que a religião encoraja a intolerância, em comparação com 35% dos australianos com afiliação religiosa.

Pode parecer surpreendente que parcelas consideráveis de “nones” expressem qualquer crença religiosa ou espiritual. No entanto, a não crença nem sempre é a principal razão pela qual as pessoas não têm afiliação religiosa. Em uma pesquisa de 2023 nos EUA, 30% dos “nones” disseram que uma razão extremamente ou muito importante para não serem religiosos é terem tido “más experiências com pessoas religiosas”, uma proporção semelhante à que citou a descrença em Deus (32%). Ainda mais “nones” disseram que não são religiosos porque “não gostam de organizações religiosas” (47%).

Isso indica que a crescente população de “sem religião” não é um bloco monolítico de secularistas convictos, mas sim um grupo diverso cujas visões são moldadas tanto pela espiritualidade pessoal quanto por uma crítica às instituições religiosas organizadas.

💡
Nota do editor: Este artigo é uma tradução e adaptação do relatório “Many Religious ‘Nones’ Around the World Hold Spiritual Beliefs”, publicado originalmente pelo Pew Research Center, por Arthur da Paz

América Latina: espiritualidade sem igreja

O Brasil é um caso emblemático. Embora 15% dos adultos se declarem sem religião, 92% desse grupo ainda afirmam acreditar em Deus. Percentuais semelhantes aparecem na Colômbia (86%) e no Peru (81%). Para os pesquisadores, isso indica que a desfiliação latino-americana não equivale ao secularismo europeu, mas antes a uma vivência de fé menos vinculada a instituições.

Europa: secularismo consolidado

Em contraste, na Europa, países como Hungria (9%), Suécia (10%) e França (19%) registram índices mínimos de crença em Deus entre os sem religião. Na Alemanha, apenas 23% dos “nones” afirmam orar — e só 7% fazem isso ao menos semanalmente.

Estados Unidos: um meio-termo

Nos Estados Unidos, onde 28% dos adultos são “nones”, o estudo mostra que 45% ainda acreditam em Deus e 32% em vida após a morte. Apesar de mais seculares que a América Latina, os norte-americanos permanecem mais religiosos do que seus pares europeus.

Críticas à religião

O levantamento também investigou percepções sociais. Em todos os países, pelo menos metade dos “nones” considera que a religião “estimula o pensamento supersticioso”; em quase metade, veem a religião como fomentadora de intolerância. Por outro lado, em nações como Brasil, África do Sul e Singapura, maiorias reconhecem que a religião “mais ajuda do que atrapalha” a sociedade.

Um retrato plural

Para os pesquisadores do Pew, o estudo mostra que o termo “sem religião” abarca realidades muito distintas. Há desde ateus convictos — que rejeitam qualquer crença espiritual — até milhões de pessoas que, embora não se declarem ligadas a nenhuma igreja, preservam fé em Deus, na vida após a morte ou em forças espirituais da natureza.

Crença em Deus entre os nones

País % de “nones” que acreditam em Deus
Brasil92%
Colômbia86%
Chile69%
Peru81%
África do Sul77%
EUA45%
Austrália18%
Suécia10%
Hungria9%

Vida após a morte entre “nones”

País % que acreditam em vida após a morte
Peru65%
México61%
Brasil58%
EUA32%
Hungria19%
Suécia22%

Percepções sobre religião entre “nones”

Avaliação Países onde maioria concorda
Religião estimula superstição Todos os 22 países pesquisados
Religião estimula intolerância Metade dos países (especialmente Europa)
Religião mais ajuda do que atrapalha Brasil, África do Sul, Singapura

Serviço

  • Fonte: Pew Research Center — Many Religious “Nones” Around the World Hold Spiritual Beliefs (set. 2025).
  • Autores do estudo: Jonathan Evans, Kirsten Lesage e Manolo Corichi.
  • Escopo: 22 países com amostras robustas de adultos “sem religião”.
  • Amostra total: 34 mil+ entrevistas (2023–2024), com métodos combinados (painel on-line, telefone e presencial).

Publicação original:

Many Religious ‘Nones’ Around the World Hold Spiritual Beliefs
Many religious “nones,” which include atheists and agnostics, in 22 countries hold religious or spiritual beliefs, such as in an afterlife or something beyond the natural world.

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