O meu coração dispara.
Ele gera um ponto,
uma letra, uma palavra...
É uma centelha divina
que suscita
gestos aleatórios
nas minhas mãos.
E percorrem
os meus dedos
que tocam
nas teclas do laptop.
Era fim de tarde. Os raios do Sol de Inverno ainda insistiam em se refletirem, através da janela de único prédio que ficava do outro lado do Córrego Cascavel - o córrego que era, até então, o meu vizinho de frente.
Subitamente, fui pega por raios reluzentes transeuntes que cortavam a minha sala que estava a escurecer. A minha sala era cheia de badulaques espalhados por todo canto - fotografias do meu álbum musical, intitulado Último Norte, e do meu livro de poesias Transgressões In-versos; havia também um quadro da imagem do Freud que adquiri exatamente na casa-museu dele, em Viena; também, havia livros de vários estilos e autores, CD’s de ritmos sortidos; e uma TV com uma mesinha de centro que era enfeitada com flores artificiais - elas mais enfeiavam o espaço do que enfeitavam.
Naquele momento, assentada no sofá da sala, eu estava lendo um livro pouco aclamado do escritor Stephen King - eu nunca havia lido nada dele - não por acaso, o nome do livro é Sobre a Escrita: a arte em memórias.
Naquela época, eu estava passando por uma tristeza profunda, pois havia perdido uma pessoa que fora fundamental no sentido de me estimular a finalmente desistir da Pedagogia (apesar de meu amor pelas pesquisas em processos educacionais, já que, minha tão adorada mãe, Wailda Ozília de Siqueira Leão, é exímia psicopedagoga), e buscar o que eu realmente queria. Então, fiz Psicologia, não por acaso, era a mesma profissão que a dela, a minha tia e mãe "de coração", Vera Lúcia de Siqueira. Ela também me estimulou com as minhas outras paixões profissionais: a Música e a Literatura.
Eu tinha sempre a sensação de ter mais sorte do que muitas pessoas por morar em frente a um córrego: além de o ar ser muito mais puro, ainda era pega por esses últimos raios de Sol que me deixavam espantada de alegria, e que também abrandavam-me, no sentido de resistir ao início da solitude da noite... Então, aos poucos, a sensação de exílio mitigava; e o meu vazio translucidava... E eu voltava minha atenção a tudo o que eu mais amava, com o suporte dos meus gatos.
Nessa época, viver os dias, as tardes e as noites era muito difícil para mim. Mas, também, não era um sinal de que algo iria me matar; a minha vida já era muito dura pra eu ter ainda que enfrentar esse meu enredo idiota...
“Acho que vou escrever mais!” – ficava pensando continuamente e à toa. Mas eu pensava mais profundamente: "Escrever pra quê?". Para mim, se fosse somente para aliviar dores emocionais, eu preferiria ir ao meu analista. Então, eu escrevo ainda mais! Ou seja, não escrevo somente para alívios... eu escrevo porque quero, porque preciso, e também me faz sentir-me uma pessoa melhor.
Parafraseando uma frase de uma canção de Lulu Santos: “Eu não pedi pra nascer”, eu diria então, “Eu não pedi pra escrever” - essa me pegou de vez.
Enfim, de minha sacada, eu escutava os ruídos da noite que banhavam o meu córrego com a luz da Lua; as folhas saboreavam o toque noturno de um vento fresco de Inverno; e podia ver, ainda que de longe, um monte de "luzinhas" vindas das casas do Setor Jardim América (o Setor em que minha mãe "de coração" morava), e, assim, eu assistia às estrelas se tornarem ígneas por todo o meu horizonte.
Quando finalmente já estava tudo escuro, somente a luz do meu computador "alumiava" a minha face - escrever, para mim, sempre foi muito fácil; mas, ao mesmo tempo, muito árduo...