Sumário
A frase do título é do poeta libanês Khalil Gibran, um sussurro filosófico sobre a essência do amor e a complexidade da nossa existência.
Amar o inimigo sempre foi um dos desafios mais profundos da humanidade, mas e se o inimigo não estiver do lado de fora, e sim dentro de nós? E se for feito de nossos medos, nossos erros, nossas sombras?
O homem carrega em si um campo de batalha. De um lado, a vontade de crescer, de acertar, de ser justo consigo e com o mundo. Do outro, as fraquezas, os deslizes, as dores do passado que insistem em sussurrar que ainda não somos dignos da paz. Entre essas duas forças, o amor surge não como um prêmio, mas como um caminho. Amar-se não é indulgência, mas compreensão. Não é cegueira diante das falhas, mas aceitação da própria jornada.
O inimigo dentro de nós
Há quem passe a vida tentando vencer um inimigo que nunca existiu fora de si. Trava guerras com lembranças, desgasta-se com culpas, foge do espelho por medo de enxergar o que carrega por dentro. Mas o amor não exige fuga, e sim um olhar corajoso. Amar-se é oferecer a si mesmo a chance de recomeçar. É entender que cada erro não define, mas ensina. Que cada fraqueza pode ser transformada, e que o passado não aprisiona aqueles que escolhem seguir adiante.
Carl Gustav Jung afirmou: “Aquilo que não corrigimos em nós mesmos encontraremos novamente como destino.” O que rejeitamos dentro de nós não desaparece; ao contrário, repete-se nas circunstâncias da vida, manifestando-se nas escolhas que fazemos, nos relacionamentos que cultivamos, nas dores que insistem em retornar. Só rompemos esse ciclo quando nos dispomos a enxergar e transformar aquilo que nos impede de avançar.
Gibran e Jung, cada um à sua maneira, apontam para a mesma verdade: enquanto não aprendemos a amar e compreender o que nos habita, seremos prisioneiros de nossos próprios desencontros. O amor, no fim, não é um ato direcionado a um ou a outro, mas um estado de ser. Ao amarmos aquilo que um dia rejeitamos em nós, tornamo-nos inteiros. E é só quando estamos inteiros que podemos, de fato, oferecer ao mundo um amor verdadeiro.
A voz do Profeta
Então, alguém disse: Fala-nos do amor! E ele ergueu a fronte e olhou para a multidão. E um silêncio caiu sobre todos e, com uma voz forte, disse o Profeta:
Quando o amor vos chamar, segui-o,
Embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados;
E quando ele vos envolver com suas asas, cedei-lhe,
Embora a espada oculta na sua plumagem possa ferir-vos;
E quando ele vos falar, acreditai nele,
Embora sua voz possa despedaçar vossos sonhos
como o vento devasta o jardim.
Pois, da mesma forma que o amor vos coroa, assim ele vos crucifica.
E da mesma forma que contribui para o vosso crescimento,
trabalha para a vossa poda.
E da mesma forma que atinge vossa altura
e acaricia vossos ramos mais tenros que tremem ao sol,
Assim também desce até vossas raízes
e as sacode no seu apego à terra.
Como feixes de trigo ele vos aperta junto ao seu coração.
Ele vos debulha para expor a vossa nudez.
Ele vos peneira para libertar-vos de vossas películas.
Ele vos mói até a extrema brancura.
Ele vos amassa até que vos torneis maleáveis.
Então, ele vos leva ao fogo sagrado
e vos transforma no pão místico do banquete divino.
O amor tudo isso fará em vós para que conheçais
os segredos de vosso coração e, com esse conhecimento,
vos torneis um fragmento do coração da Vida.
Mas se, no vosso temor, quiserdes buscar somente
a paz e o gozo do amor,
Então seria melhor para vós que cobrísseis vossa nudez
e saísseis do campo do amor,
Para o mundo sem estações onde rireis,
mas não com todo o vosso riso,
e chorareis, mas não com todas as vossas lágrimas.
O amor só dá de si e nada recebe,
A não ser de si próprio.
O amor não possui e não quer ser possuído;
Pois o amor basta-se a si mesmo.
Quando amardes, não deveis dizer:
“Deus está no meu coração”, mas sim:
“Eu estou no coração de Deus.”
E não penseis que possais dirigir o curso do amor,
pois o amor, se vos achar dignos,
dirigirá ele próprio o vosso curso.
No amor, como na vida, a maior coragem está em aceitar-se, compreender-se e, então, compartilhar o que somos. Pois só quem se ama verdadeiramente está pronto para amar o mundo.