O relacionamento entre filosofia e poesia é atravessado por uma das discussões mais interessantes da história do pensamento ocidental, mediante as visões radicalmente contrárias de dois autores magnificentes: Platão e Heidegger. Para o filósofo ateniense, a poesia configuraria certo sombreamento enganoso, um desviar danoso da Verdade. Para o pensador e erudito alemão, do século XX, seria o lugar original da Verdade mesma, a forma de linguagem que mais puramente desvela o ser. Essa discrepância não é somente discussão estética, antes disso: conflito sobre a natureza em si da realidade e acerca dos meios pelos quais o ser humano poderia acedê-la. Assim, ao passo em que um a relegava ao exílio da República ideal, o outro a eregia à condição de voz essencial (númeno) da existência.
Na visada platônica, a poesia é ameaça epistemológica - e política. Calcando-se na sua teoria das Ideias, na qual a autêntica realidade se encontraria num mundo inteligível (e perfeito), o poeta era condenado por criar uma mera "cópia da cópia". Um pintor que representa uma mesa está a transportar para seu labor um objeto físico, que, por seu turno, imitação imperfeita da Ideia eterna (arquétipo) de "Mesa". O poeta, ao reerguer em palavras o mundo fenomênico, afastar-se-ia ainda mais da Verdade. Ademais, ao excitar as emoções e as paixões (afetos) no público, a poesia, destacadamente a tragédia, ameaçava a ordenação da alma e, por consrguinte, da pólis, esmaecendo a razão que deveria liderar.
Heidegger, em seu turno, reverte totalmente tal posicionamento. Para ele, a poesia não é uma diversão qualquer ou imitação menor, mas a formação mais alta da linguagem. Ao invés de obstruir a Verdade, a poesia carrega o processo de desvelar o ser. Enquanto a linguagem usual e técnica torna o mundo vazio e previsível, a poesia, com sua capacidade de inventar novos sentidos, e de re-nomear o sagrado, faz com que as coisas surjam em sua plenitude e mistério inerente. O poeta não é um inventor de devaneios tolos, mas um instrumento do ser; que habita nas proximidades do numenoso e o traduz ante a comunidade, inaugurando mundo histórico-intelectual e sócio-cultural.
O abismo que afasta Platão de Heidegger traz a lume, destarte, duas perpectivas cosmológicas inconciliáveis. A condenação platônica advém de projeto filosófico que almeja a ordenação, a via racional e fundamento absoluto para o epistemológico e a ética, de onde a fluidez afeto-caótica da poesia deve ser banida. A celebração heideggeriana ascende de filosofia que descarta tal racionalismo, envolvendo o histórico, o temporal e o desvelar da Verdade qual acontecimento que se dá pela linguagem poética. O debate permanece interessante, questionando-nos se divisamos a arte como distração emocional a ser deixada pela razão - ou como experiência basal que nos reconecta com o sentido mais genuíno de estar-no-mundo.