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Crítica do romance As Ventosas do Polvo: entre a diretividade formal e a aventura filosófica

Psicanalista Edson Manzan Corsi faz uma resenha literária da excelente obra do escritor goiano Carlos Magno de Melo

Médico e escritor Carlos Magno de Melo (Crédito: Acervo Pessoal)

O romance As Ventosas do Polvo, de Carlos Magno de Melo, perpassa a densidade lírico-narrativa, juntamente à trama histórica. Ao resgatar fase grave da flutuação econômica de nosso país, Carlos traz a lume narrativa na qual o drama pessoal (e uma travessia) mistura-se à gravidade social do momento do confisco das poupanças, no governo Collor, e, assim, vem a configurar-se de maneira árdua, mas rica; inclusive em vários sentidos não compráveis por meios monetários.

A estrutura frasal do romance me causou duas gratas impressões, talvez possa assim dizer. A contundência e caráter enxuto das sentenças e orações me fez pensar em haikais, estranhamente imiscuídos nos parágrafos, ou em aforismos, como na tradição sofisticadíssima, porém clara e sintética, dos Moralistas Franceses.

Médico, original de Piracanjuba, Goiás, conquistou leitores ávidos pela qualidade textual e pela capacidade de desenvolver um fio de narrativa que envolve e nos obriga a querer descobrir o desfecho do trabalho. Ele publicou por alguns anos, no caderno de Opinião Pública, do jornal Diário da Manhã, vários artigos e crônicas que convenceu uma multidão de leitores de sua competência literária e textual. (Nota do Editor)

"As avenidas estavam abertas a Shelton Alves da Silva. A imobiliária crescendo. A mulher na paz". Se pensarmos no haikai qual estrutura poética, instaurada nas letras japonesas, usualmente de três versos, que podem rimar ou não, atrelada a descrições singelas, ou episodicamente mais figurativas, quanto ao dia a dia de algum autor (ou personagem poético/narrativo...); tal trecho não soaria como espécie original e instigante de haikai urbano-existencial — relacionado a algum aspecto da construção ficcional? Penso que se trata de reflexão-proposta interessante sobre o trabalho de Carlos, no livro aqui perspectivado. Em todo caso, cabe ao leitor que o deseje — pensar — e, quem sabe, concluir... sobre...

Quanto ao caráter "aforismático", tenho a impressão de que ele perpassa o livro todo, pois as frases, os versos e os apontamentos podem sempre instigar a reflexão sobre nosso dia a dia de forma geral. Trata-se de dispositivo que se estende qual rede contínua-faiscante, concernente à vida, ao dia-a-dia, às figurações existenciais, acerca dos sentidos e caminhos "íngremes" e inesperados que nossa vida pode tomar; e com os quais temos de nos ver...

Assim, cogito que o livro de Carlos dialoga com essa tradição francesa do aforismo observacional dos traços humanos amalgamados aos rostos e desafios do cotidiano; que vai, por exemplo, de Chamfort e La Rochefoucauld a, pelo menos, Camus e Cioran.


O objeto, em questão, é escrita que bem se equilibra entre o histórico e o vívido (creio que esta palavra bem define). E leva-nos, com sua síntese formal, mas não conteudística ou quanto à amplitude afetiva, a um plano de leitura eficiente, filosófico, em sua própria forma, talvez ainda como nos romances de Sartre, ou de Graciliano Ramos. Recomenda-se, vivamente, portanto, a leitura. E fica um elogio que tentamos, aqui, bem desenhar, quanto à escrita de Carlos.

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