Sumário
Presente em diversas culturas ao longo da história, a mediunidade sempre despertou curiosidade e diferentes interpretações. Considerada por muitos como um dom, por outros como a capacidade de comunicação com o mundo espiritual, a mediunidade agora se revela como uma característica com bases genéticas.
Uma pesquisa pioneira, na revista Brazilian Journal of Psychiatry, identificou possíveis padrões genéticos associados à mediunidade, alterando a forma como a ciência compreende a percepção da realidade. O artigo foi submetido dia 4 de outubro de 2024 e aceito para publicação dia 24 de dezembro de 2024.

A descoberta dos genes da mediunidade
Liderado pelo professor Wagner Gattaz, do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com o Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (Nupes) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o estudo investigou o exoma (sequenciamento de todos os genes que expressam proteínas) de 54 médiuns experientes e comparou com o de seus parentes de primeiro grau sem habilidades mediúnicas.
Os resultados revelaram 33 genes com variações presentes em pelo menos um terço dos médiuns, mas não detectados em seus familiares não médiuns.
"Se conseguirmos estabelecer uma relação entre o dom da mediunidade e alguns marcadores genéticos, poderíamos alargar a nossa compreensão dos mecanismos pelos quais percebemos o mundo ao nosso redor", explica Gattaz.
O estudo identificou quase 16 mil variantes genéticas exclusivas nos médiuns, impactando a função de 7.269 genes. Muitos desses genes estão ligados ao sistema imune e inflamatório, incluindo um ligado à glândula pineal, considerada por muitos como a glândula da conexão entre o cérebro e a mente.
Mediunidade não é doença
Contrariando antigas suspeitas, a pesquisa também constatou que a mediunidade não está relacionada a transtornos mentais. Alexander Moreira-Almeida, da UFJF, destaca que, no início do século 20, chegou-se a criar o termo "loucura espírita" no Brasil. "Outra linha de investigação visa averiguar se o médium efetivamente é capaz de obter informações, a partir dessas experiências, que ele não conseguiria obter por meios convencionais", explica Moreira-Almeida.
Outros estudos indicam que indivíduos com experiências mediúnicas demonstram níveis de saúde mental iguais ou superiores aos de pessoas sem tais experiências. Foi demonstrado que médiuns apresentam ajuste social e qualidade de vida semelhantes aos de seus controles.
Indivíduos com habilidades mediúnicas podem ter uma capacidade aprimorada de regular a saúde de forma holística, facilitada por uma conectividade cerebral bem integrada e expressão gênica dinâmica que se adapta às condições variáveis.
A visão espírita e a ciência
No século 19, Allan Kardec explorou com critérios rigorosos a natureza da mediunidade, descrevendo-a como a capacidade de sentir a influência dos espíritos. André Siqueira, da Federação Espírita Brasileira (FEB), afirma que Kardec destacou que essa faculdade não é sobrenatural, mas sim uma propriedade natural do ser humano, presente em diferentes graus em cada indivíduo, permitindo a comunicação entre os vivos e os espíritos.
Os estudos do Núcleo de Pesquisas em Percepção Extrafísica e Espiritual confirmam a natureza orgânica da mediunidade, identificando componentes genéticos específicos nos médiuns. Essas descobertas corroboram a visão de Kardec de que a mediunidade é uma faculdade natural, parte da natureza humana, e não um fenômeno sobrenatural ou místico, devendo ser tratada como objeto da investigação científica
Umbanda e Candomblé: a mediunidade como nascença
Para a umbanda iniciática, as pessoas trazem do mundo espiritual o compromisso e a responsabilidade no vínculo estabelecido com as entidades. Mãe Leila, sacerdotisa, ressalta que a mediunidade é um processo de comunicação entre duas dimensões, com várias formas de manifestação, como incorporação, clarividência, escuta e intuição. Mãe Baiana de Oyá, do candomblé, considera a mediunidade como um dom espiritual, um legado dos antepassados.
O futuro da pesquisa
A pesquisa abre um leque de possibilidades para o futuro, como a detecção precoce e o estímulo dos dons mediúnicos em alguns indivíduos. No entanto, Otávio Marchesini, da Sociedade Teosófica no Brasil, ressalta que o desenvolvimento da mediunidade não significa necessariamente desenvolvimento espiritual.
Gattaz, coordenador da pesquisa, afirma que não é preciso ter um combo de genes para ser um médium. "O nosso estudo mostra apenas que alguns desses genes são candidatos para serem estudados em novas pesquisas e podem contribuir para o desenvolvimento do dom da mediunidade", conclui.
Leia o artigo integral no site da revista Brazilian Journal of Psychiatry. Clique aqui.

Wagner Farid Gattaz: Professor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP e líder do Laboratório de Neurociências na universidade.
Alexander Moreira-Almeida: Diretor do Nupes (Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde), da Universidade Federal de Juiz de Fora.


Como definir um médium?
No estudo, médiuns foram definidos como indivíduos que afirmam a capacidade de perceber (vendo ou ouvindo) ou de agir sob a influência direta e evidente de uma suposta personalidade falecida.
Os critérios para inclusão no estudo como um médium altamente qualificado foram:
- Mínimo de 10 anos de experiência em mediunidade.
- Envolvimento em práticas mediúnicas pelo menos uma vez por semana.
- Ser reconhecido por seus pares como tendo um nível notavelmente alto de habilidade mediúnica.
- Envolvimento no trabalho mediúnico de forma voluntária, sem receber qualquer compensação financeira ou benefícios materiais.
- Ser considerado por seus pares como tendo um histórico consistente de obtenção de informações anômalas verificáveis e precisas, que são informações supostamente não adquiridas por meios normais ou pelos cinco sentidos convencionais.
Quais genes variam entre mediuns e os não-médiuns?
O estudo identificou 33 genes que apresentam variações em pelo menos um terço dos médiuns estudados, mas que não foram detectados entre seus familiares não médiuns. Quase 16 mil variantes genéticas foram encontradas exclusivamente nos médiuns, impactando a função de 7.269 genes.
Alguns dos genes que mostraram mutações em pelo menos um terço dos médiuns incluem:
• Mucina 19: 87,04% dos médiuns na amostra principal e 91,67% na amostra de validação. Este gene também foi identificado em ambos os gêmeos.
• Complexo principal de histocompatibilidade classe II DR Beta 5: 62,96% dos médiuns na amostra principal e 75% na amostra de validação. Este gene também foi identificado em ambos os gêmeos.
• Proteína de dedo de zinco 717: 57,41% dos médiuns na amostra principal e 66,67% na amostra de validação.
• Fosfatase transmembranar com homologia de tensina: 51,85% dos médiuns na amostra principal e 91,67% na amostra de validação. Este gene também foi identificado em ambos os gêmeos.
• Receptor Notch 4: 50,00% dos médiuns na amostra principal e 41,67% na amostra de validação. Este gene também foi identificado em ambos os gêmeos.
Esses genes estão frequentemente relacionados à proteção mucosa de células epiteliais e exibem funcionalidades imunológicas. A mucina 19 (MUC19) destacou-se como o gene mais prevalente nos médiuns, tanto na amostra principal (87,04%) quanto na amostra de validação (91,67%), estando também presente em ambos os gêmeos.
Os genes identificados no estudo estão ligados principalmente ao sistema imunológico e inflamatório. Especificamente, muitos desses genes estão relacionados à proteção mucosa de células epiteliais e exibem funcionalidades imunológicas.
Outras ligações incluem:
- Sistema sensorial: A análise de vias genéticas indicou um total de 611 genes incluídos em categorias funcionais relacionadas ao "Sistema Sensorial". As subcategorias são processos inflamatórios, paladar, olfato e sensoriamento de fototransdução.
- Translocação de ZAP-70: A via com a força mais significativa é a translocação de ZAP-70 para a sinapse imunológica. ZAP-70 desempenha um papel crucial na estimulação do receptor de antígeno de células T.
- Receptores: LILRB1 e LILRB3 são receptores da família dos receptores do tipo imunoglobulina de leucócitos (LIR) que interagem com moléculas do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) classe I em células apresentadoras de antígeno, regulando negativamente a ativação de células imunes.
- HLA-DRB1, HLA-DRB5 e HLA-DQB1: pertencem ao MHC, Antígeno Leucocitário Humano (HLA), paralogos da cadeia beta de classe II, e desempenham um papel crucial no sistema imunológico, apresentando peptídeos derivados de proteínas extracelulares.
- NOTCH4: codifica um membro da família de proteínas transmembrana tipo I e regula as interações entre células adjacentes.
Em resumo, os genes mutados identificados estão intrinsecamente associados a vias metabólicas relevantes para interações com o ambiente externo, envolvendo especificamente os sistemas epitelial e imunológico.