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Carlos Alberto França despede-se da toga e entra para a História

Ex-presidente do TJGO, desembargador Carlos Alberto França anuncia aposentadoria após 35 anos de magistratura. Magistrado será lembrado por casos épicos, propulsão e progresso do Tribunal e da decisão histórica que libertou o jornalista Batista Custódio do estigma da falência após 25 anos.

“Serei eternamente grato ao Poder Judiciário”, diz Carlos França ao anunciar aposentadoria; ex-presidente do TJGO se despede em outubro da Corte goiana (Foto: Léo Iran)

Sumário

Editorial

O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) assiste à despedida de um de seus mais ilustres magistrados. O desembargador Carlos Alberto França, de 60 anos, comunicou sua aposentadoria voluntária ao atual presidente da Corte, Leandro Crispim, surpreendendo a comunidade jurídica ao optar por deixar a magistratura quando ainda poderia exercer cerca de 15 anos de carreira pela frente.

França, que presidiu o TJGO por dois biênios consecutivos (2021-2023 e 2023-2025) e chegou a liderar o Conselho de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil (Consepre) em 2023-2024, parte com o sentimento de dever cumprido e gratidão.

“A magistratura goiana foi a minha vida por 35 anos e serei eternamente grato a tudo o que vivi. Depois dessa longa jornada, cheguei à conclusão que deveria enfrentar novos desafios, assumindo outros projetos, no futuro exercício da advocacia”, declarou o desembargador ao anunciar a nova fase.

Suas palavras refletem emoção e respeito pelo Poder Judiciário, marcando o fim de uma trajetória notável que ele construiu com dedicação e honra.

Liderança e Conquistas no TJGO

Ao longo de sua gestão à frente do Tribunal, Carlos França demonstrou perfil inovador e uma incansável busca por excelência. Ele liderou o TJGO em meio à desafiadora pandemia de Covid-19, mantendo o funcionamento da Justiça e impulsionando importantes conquistas institucionais, como a obtenção do Selo Diamante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por três anos consecutivos e o 1º lugar no ranking nacional de transparência – feitos que consolidaram o TJGO como referência entre os tribunais do país.

Sob sua batuta, o Judiciário goiano também investiu em tecnologia e projetos sociais de vanguarda. “O mais valioso foi o aprimoramento no atendimento às necessidades da população goiana. A tecnologia agilizou processos, a transparência aumentou a confiança e os projetos sociais levaram cidadania ao interior do Estado”, ressaltou França, atribuindo os resultados ao esforço coletivo de magistrados e servidores.

Em seus quatro anos na presidência, cultivou uma relação harmoniosa com os demais poderes e instituições. “Tivemos quatro anos de convivência republicana, sempre colocando o interesse público em primeiro lugar”, afirmou o desembargador sobre a cooperação mantida com o Executivo (governador Ronaldo Caiado), Legislativo, Ministério Público, Defensoria, OAB-GO e Tribunais de Contas.

Essas conquistas e posturas evidenciam o legado de modernização e diálogo deixado por França no judiciário goiano, pelo qual ele foi amplamente reconhecido como uma das vozes mais respeitadas do Judiciário nacional.

Uma decisão histórica: a falência do jornalista Batista Custódio

O jornal Liras da Liberdade homenageia Carlos Alberto França, em memória do seu idealizador, o jornalista Batista Custódio. Afinal, entre os inúmeros casos de relevância que passaram por suas mãos, um em especial somou-se ao eco de imortalidade de Carlos França como defensor da justiça e dos direitos individuais.

Por 25 anos, Batista Custódio carregou o estigma de falido imposto pela lei. Foi a decisão do juiz Carlos Alberto França que passou essa história a limpo. Quando a decisão saiu, o jornalista celebrou e uma chuva de advogados apareceu de cada esquina do mundo orientando-o a buscar a reparação: — ele recusou qualquer indenização.

Em 2009, atuando como juiz da 11ª Vara Cível de Goiânia, ele proferiu uma decisão emblemática que “libertou” o jornalista Batista Custódio dos Santos da condição de falido após décadas de luta judicial. Batista Custódio – então editor-geral do jornal Diário da Manhã – havia sido envolvido nos efeitos de um processo de falência movido em 1984 contra a empresa proprietária do jornal, e desde então carregava o estigma de falência em seu nome.

Demonstrando sensibilidade e apego à lei, Carlos França determinou que Batista não poderia sofrer nenhuma restrição em sua vida profissional, patrimonial ou comercial em razão daquela antiga falência, da qual fora apenas sócio minoritário.

Amparando-se na nova Lei de Falências (Lei nº 11.101/2005) e no Código Civil, o magistrado esclareceu que a legislação não permite tachar de falido um sócio que não fora responsável direto pela quebra da empresa: “A legislação falimentar, a lei especial das sociedades por quotas de responsabilidade limitada e até mesmo o Código Civil vigente não autorizam que um simples sócio de uma sociedade limitada que teve a infelicidade de ter a falência decretada seja considerado falido”, frisou em sua sentença.

Com essa decisão, depois de 25 anos, o jornalista Batista Custódio recuperou o selo jurídico de sua liberdade, mas não o de sua honra — esta nunca fora perdida!, pois ele a guardara intacta, erguida contra o tempo e contra a injustiça.

O caso Batista Custódio tornou-se símbolo da atuação firme e humanitária de França nos domínios da imprensa – um magistrado que não hesitou em reparar uma injustiça histórica, restaurando a dignidade de um cidadão e inscrevendo para sempre esse episódio na memória do judiciário goiano como prova de que, sob a toga de Carlos França, pulsava um coração heroico, atento aos clamores por justiça, mesmo que no tardar dos anos, trouxe a resolução que devolveu a paz e a dignidade a Batista Custódio.

Legado, saudade e novo ciclo

Natural de Campina Verde, no interior de Minas Gerais, Carlos Alberto França formou-se em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG) em 1989 e ingressou na magistratura goiana em 1990. Durante os anos iniciais da carreira, serviu em diversas comarcas do interior do Estado, levando a Justiça a regiões remotas, até ser promovido a desembargador em 2010.

No TJGO, ocupou posições de destaque: dirigiu o Foro de Goiânia, foi corregedor, presidiu a Escola da Magistratura e atuou como ouvidor-geral, além de ter liderado a 2ª Câmara Cível. Culminou sua trajetória exercendo a presidência do Tribunal por dois mandatos, nos quais deixou marcas de eficiência e integridade.

Fora dos holofotes oficiais, França é conhecido pela humildade e coleguismo – casado com a também desembargadora Ana Cristina Ribeiro Peternella França e pai dedicado de dois filhos, Guilherme e Rafael.

Ao refletir sobre seus 35 anos de judicatura, Carlos França citou Nelson Mandela em seu discurso de despedida:

“O que conta na vida não é apenas o fato de termos vivido. É a diferença que fizemos na vida dos outros que determinará o significado da vida que levamos”.

A frase resume com elegância o propósito que guiou sua carreira. Seja ao modernizar a Justiça, ao zelar pela transparência ou ao fazer valer os direitos de um jornalista esquecido pelo tempo, França fez diferença na vida de muitas pessoas – magistrados, servidores e cidadãos comuns que encontraram em suas decisões a realização concreta da justiça.

Com a aposentadoria oficialmente marcada para a primeira quinzena de outubro, o desembargador prepara-se agora para um novo ciclo. Ele anuncia que irá abraçar a advocacia, levando consigo toda a experiência adquirida do outro lado do balcão.

“Sempre reconheci que a advocacia é essencial para o bom funcionamento da Justiça. Espero contribuir agora em outra perspectiva, mas com o mesmo compromisso de servir”, afirmou, demonstrando que sua vocação de servir à sociedade permanecerá intacta.

Enquanto Carlos Alberto França pendura a toga e inicia essa nova jornada, o Poder Judiciário goiano rende homenagem ao magistrado que, por décadas, foi paladino da Justiça nos corredores forenses. Sua partida deixará uma saudade profunda e um exemplo perene de coragem, retidão e humanidade.

Em cada sentença equilibrada, em cada iniciativa inovadora e em cada vida tocada por seu trabalho, permanece vivo o legado de um herói cujo nome ficará gravado na história do TJGO e no coração de todos que tiveram o privilégio de com ele conviver.

Enquanto sua toga repousa, permanecerá de pé o legado de justiça que Carlos Alberto França inscreveu na História — não apenas do TJGO, mas da própria dignidade humana. Um vulto vivo que não se apaga, celebrado pela grandeza de suas ações.

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