O Grupo de Bloomsbury, mesmo não podendo se atrelar a qualquer definição rígida acerca de suas tramas e de nuances estético-conceituais, constitui importante grupo artístico-filosófico que tomou corpo e influência ao longo do século XX. Começou como uma reunião de amigos provenientes de Cambridge, incluindo ainda algumas pessoas a eles relacionadas. A partir de 1905, quando a primeira reunião das que vieram a ocorrer às noites de quinta-feira se deu, até a década de 1950, muitos foram agregados, mudaram-se ou faleceram. Assim, durante esses anos, a expressão “Grupo de Bloomsbury” adotou ampla variedade de sentidos, de maneira que alguns, antes claramente membros, passaram a almejar a recusa disso, e muitos que não eram membros disseram ser; ou se colocavam no lugar de simples aliados ou de inimigos. Nessas mutações, o grupo, conforme existiu antes da Primeira Guerra Mundial, veio a ser chamado “Old Bloomsbury”, e os sujeitos a ele pertencentes contavam, por exemplo, com Virginia e Leonard Woolf, o irmão mais jovem de Virginia, Adrian Stephen; Lytton Strachey e seu irmão James, e Roger Fry. Durante a Primeira Guerra, adentraram ao quadro Karin Costelloe e Alix Sargant-Florence, que se tornou esposa de James Strachey.
O irmão de Lytton nasceu em 1887, sendo, portanto, sete anos mais jovem. Quando ele foi da Saint Paul’s School para o famoso Trinity College, em Cambridge, segundo Winnicott, que escreveu seu obituário, não realizou nada relevante por três anos; a não ser travar conhecimentos com todos que lhe eram interessantes, e conversar sobre tudo que lhe parecesse de proeminência. Diferentemente de demais membros do Bloomsbury, que se encontravam absorvidos pela obra filosófica de G. E. Moore, Strachey adotou o socialismo fabiano e, em decorrência, o concernimento quanto a problemas sociais. Também desenvolveu um interesse profundo por música. Durante um tempo, foi acusado de viver à sombra do irmão, como uma espécie de duplo artístico-intelectual mais anêmico dele, tornando-se, também, seu principal confidente e conselheiro. Era ainda muito íntimo de Rupert Brooke, então presidente da Sociedade Fabiana de Cambridge. No verão de 1908, Lytton e James viajaram à Escócia; o primeiro, devido à sua saúde, este, para se recuperar de efeitos perturbadores de sua adoração cega e absoluta por Rupert Brooke. Nesse ínterim, Lytton passou a escrever com regularidade para The Spectator e James aproveitava grande parte de seu tempo entre a ópera e o teatro. A partir de 1909, e durante seis anos, James foi secretário particular de seu primo Loe Strachey – editor do The Spectator. Foi demitido em 1915 por se posicionar contra a Guerra. Ele e seu irmão compartilhavam desse ponto de vista voltado ao Socialismo, e de uma oposição e pessimismo face à Guerra. No primeiro ano do conflito, mas agora noutra seara, James, Lytton e uma colaboradora, Marjorie, criaram um interessante e delicado minueto, buscando passar pela esteira de Mozart; e aquele iniciou seu relacionamento com Alix. Chegou a trabalhar como C. O. para uma organização Quaker que distribuía leite para as esposas inglesas de civis alemães detidos.
Em 1918, os irmãos Strachey foram ao julgamento do filósofo Bertrand Russel, que estava sendo acusado de propaganda subversiva. No mesmo ano, James começou a estudar medicina. Como aponta Winnicott, Strachey ficou muito impressionado com uma citação de Freud num livro escrito por C. G. S. Meyer, e então veio a procurar Ernest Jones, que indicou formação médico-acadêmica como prioridade a uma formação psicanalítica. Após algumas semanas de estudos médicos, James apanhou um resfriado e, segundo a monografia de Douglass W. Orr (2004), intitulada Psychoanalysis and the Bloomsbury group, uma considerável dosagem de tédio. Acabou se tornando crítico dramático para o Athenaeum por um ano. Continuou sustentando seu interesse pela psicanálise e finalmente decidiu-se por escrever direto para Freud. O mestre vienense, agraciado por ser interpelado por um inglês logo após a Guerra, respondeu prontamente e convidou James e Alix a irem até Viena. Foram em 1920, já como marido e esposa. Existe um interessante comentário de Ernest Jones sobre a aventura; quando James foi estudar com Freud, o próprio Jones escreveu uma carta de apresentação, não de todo elogiosa, destacando o quanto conhecia pouco acerca de Strachey até então. Numa das primeiras sessões da análise do tradutor inglês, Freud leu a carta em voz alta para ele. No ano seguinte, o mencionado casal já estaria articulando a análise com a grandiosa tradução. Em março de 1921, James escreveu à sua sogra relatando que ele e Alix estavam traduzindo alguns dos artigos técnicos de Freud. Haveria cinco deles, cada qual fornecendo uma história detalhada de algum caso especialmente interessante. Os textos foram escritos a intervalos durante as décadas entre 1899 e 1920, e apresentam um amplo espectro do desenvolvimento da perspectiva freudiana. O livro viria a ter por volta de 500 páginas. Para os Strachey, afigurava-se uma grande honra; e uma ampla realização clínica e intelectual: obter um conhecimento especialmente profundo da metodologia freudiana, e íntimo, ao poderem conversar diretamente com o mestre sobre tais aspectos – e inclusive sobre os percalços de tradução. Ainda, o lugar de tradutores oficiais de Freud para o idioma mais difundido no mundo lhes traria especialíssimo destaque nos círculos de saúde mental de então, e, em especial, em seu próprio país de origem.
A principal contribuição de James strachey para a psicanálise, além do tão fundamental trabalho de tradução e editoração da Standard Edition, foi uma série de conferências apresentadas em 1933 nas quais formulou seu conceito de interpretações mutativas. Nelas, como sustenta D. W. Winnicott, ele tornou explícito o princípio de interpretação econômica, interpretação ao ponto de urgência, articulada para ser feita em momento propício, tendo em consideração o material apresentado pelo paciente e lidando de modo claro com uma amostra de neurose de transferência. Strachey ainda foi o executor literário de Lytton, inclusive ao editar um livro do mesmo contendo artigos e chamado Spectorial essays, e se esforçou para encontrar um escritor à altura para a biografia de seu irmão. Ainda, colaborou com Leonard Woolf na edição do livro Virginia Woolf e Lytton Strachey: letters.
Enquanto psicanalista, em especial no que tange ao âmbito clínico, ressalta Orr, Strachey tratou de assunto bastante interessante, complicado e controverso: o mecanismo da mudança. Em seu tempo, alguns analistas defendiam que a mudança dependeria da resolução de conflitos intrapsíquicos mediante as interpretações transferenciais, ao passo que outros viam o relacionamento terapêutico em si como o mais poderoso veículo da transformação. Aliás, grande parte dessa controvérsia foi impulsionada por um trabalho do próprio Strachey, cuja perspectiva veio a se tornar um modelo clássico de ação terapêutica em psicanálise e que serviu de ponto de partida para várias incidências clínico-teóricas.
O fundamento da visão de Strachey é constituído por uma interpretação mutativa focada na distorção da transferência. Tal ação diz respeito à admissão de que o analista seja colocado na posição de superego auxiliar pelo paciente. Nesse papel, o analista fornece permissão para o paciente exprimir certa pequena quantidade de energia do id na forma de um desejo ou impulso agressivo. O analista se posiciona também no papel do objeto dos impulsos do id do paciente. No entanto, o paciente reconhece que o analista não está, em realidade, agindo qual o objeto arcaico que é alvo do impulso agressivo. Assim, o primeiro se tornaria consciente que há uma diferença entre o objeto interno projetado e o objeto real externo. O novo objeto, então constituído pelo analista, passa a ser internalizado como um introjetado menos agressivo – o que, por sua vez, modificaria a aspereza, a rudeza mesma, do superego.
Nesse ínterim, há duas fases da interpretação mutativa. Na primeira, o analista torna o paciente consciente de certo estado de tensão interna, que é relacionada a uma ameaça do superego do paciente em resposta a um impulso do id. A segunda envolve a consciência do paciente, quando o impulso agressivo do id emerge na consciência, de que o objeto fantasístico e o analista real são diferentes. Strachey enfatiza que nessa fase o analista deve evitar a todo custo agir como o objeto fantasístico ao se tornar chocado ou enervado à expressão do impulso do id trazida pelo paciente. Somente quando o analista mantém um aspecto de neutralidade, o paciente se torna apto a distinguir a discrepância entre objetos reais e internos e, destarte, internalizar o analista como um novo objeto que modifica o superego. Em decorrência, é interessante notar que, em leitura acurada do trabalho clássico de Strachey, torna-se perceptível que a internalização de um novo relacionamento e certa modificação das relações de objeto internas do paciente seriam cruciais para a ação terapêutica. Até se esta tiver sido posta em movimento por uma intervenção interpretativa.
Em artigo de Strachey (1999) mesmo, intitulado The nature of the therapeutic action of psycho-analysis, o autor esclarece da seguinte maneira os mencionados pontos sobre a clínica analítica: a primeira fase da interpretação mutativa, na qual uma porção da relação de certo conteúdo do id do paciente ante o analista é tornada consciente em virtude da posição do último como superego auxiliar, é bastante complexa em si mesma. No modelo clássico da interpretação, o paciente se tornará, primeiramente, consciente de um estado de tensão em seu ego, daí, será feito consciente que há um fator repressivo atuando – que seu superego o está ameaçando com castigos – e somente assim tornar-se-á consciente do impulso do id que veio a alavancar os protestos de seu super-ego e, nessa trilha, feito com que ascendesse a ansiedade em seu ego. Esse constitui o esquema clássico. No que Strachey chama de sua prática atual, o analista encontrar-se-ia trabalhando dos três lados de uma vez, ou em sucessão irregular. Em dado momento, uma pequena porção do superego do paciente pode ser revelada ao mesmo em toda sua selvageria, noutro, a situação do ego de não conseguir de fato defender-se; ainda, sua atenção pode ser direcionada às tentativas que faz de restituição; em busca de compensação por sua hostilidade; em algumas ocasiões, uma fração da energia do id pode ser até encorajada diretamente a desbravar os restos de uma resistência já enfraquecida. Existe, no entanto, uma característica comum a todas essas operações; acontecem em pequenas dosagens – a interpretação mutativa é governada pelo princípio de ser um processo bem gradual. Segundo Strachey, as grandes mudanças em curto período de tempo tendem a vir mais de um trabalho sugestivo do que de aspectos analíticos. Pois cada interpretação envolve o investimento, a soltura (release) de certa quantidade de energia do id e, conforme seria perceptível na clínica, se a quantidade de energia liberada é muito grande, o instável equilíbrio que habilita o analista a funcionar como superego auxiliar do paciente é levado ao colapso. Em todo caso, é pela ação analítica que tem em conta a constituição e funcionamento do superego auxiliar que tais liberações (releases) de energia podem se efetuar.