Sumário
A neuropsicanálise é um novo campo de reflexão e discussões que surgiu em 1999, criado pelo psicanalista e neuropsicólogo sul-africano Mark Solms; sendo, igualmente, o nome de um periódico de teor acadêmico, fundado, no mesmo ano, por Solms e colaboradores. Esse estudioso ambicionava aprofundar-se no escrutínio da neuropsicologia, caminhando para o estudo da subjetividade humana, os processos emocionais e que dizem respeito à singularidade de cada sujeito, em sua experiência de estar no mundo. Porém, percebeu que, na neuropsicologia de então, havia espaço de fato apenas para os estudos sobre a cognição (pensamento, inteligência, aquisição intelectual e uso da linguagem), e não para a subjetividade (afetos, formações e operações dos processos dos sonhos, pensamentos e sentimentos invasivos, reações somáticas a fatos emocionais, e assim por diante...), tendo encontrado, dessa forma, ressonância na obra de Sigmund Freud, para os temas e questões clínicas que almejava explorar.
Freud foi um neurologista austríaco que criou a psicanálise, ou a psicologia profunda, como ele também a chamava. Mas, antes de criar essa forma de terapêutica clínica, disseminada e bem aplicada, hoje, em praticamente todo o planeta, ele praticou muitas pesquisas e publicou teorias novas, à época, no campo neurológico. Por exemplo, em 1891, escreveu uma monografia sobre os problemas neurológicos de linguagem, afasias, no qual questionava uma visão estritamente anatômica, sobre o cérebro e as decorrências de certas lesões cerebrais, em prol de uma perspectiva funcional, totalmente original, onde pensava em fenômenos que seriam oriundos não de lesões específicas, mas de problemas funcionais do sistema nervoso, e do intercâmbio operativo e bem relevante das diferentes áreas cerebrais entre si. Posteriormente, em 1895, produziu o chamado Projeto para uma psicologia científica, que nunca chegou a publicar, por não ter como, naquele momento, examinar empiricamente suas teses sobre estruturas e dinâmicas nervosas. Mas poderíamos discorrer aqui sobre demais trabalhos nesse âmbito... O fato é que Freud era um pesquisador incansável e, em 1896, fez surgir a palavra psicanálise, criando um método de pesquisa clínica sobre o inconsciente e suas manifestações fenomênicas (atos falhos, sonhos, chistes, repetições inconscientes, esquecimentos), que, ainda, buscou dar conta, teoricamente, de inúmeros temas que a medicina e as pesquisas laboratoriais não obtinham como discutir com total empirismo e condições objetivas de reproduções experimentais, pelo chamado positivismo científico. Assim, emergiu a psicanálise, um novo campo de consideração prática e conceitual sobre a experiência humana, com métodos e modos de pensamento próprios.
Em todo caso, Freud nunca abandonou seu diálogo com as temáticas científicas e empíricas, como podemos ver, inclusive, em seus últimos textos de sua edificação psicanalítica, em aspectos de sua terminologia e esperanças sobre o desenvolvimento do saber humano. A neuropsicanálise, assim, inspirada nesses fatores do projeto freudiano, seja quanto ao início de sua carreira, enquanto neurólogo, ou ao desenvolvimento de seu pensar psicanalítico, que se propõe a poder dialogar com diferentes campos da produção científica, emerge não como uma nova escola da psicanálise, mas, mais precisamente, como um fórum de debates, entre as pesquisas neurocientíficas e psicanalíticas, em especial no que tange à neurociência emocional (ou afetiva), no intuito de intensificar a interdisciplinaridade e o diálogo científico respeitoso, de maneira que uma área não se sobreponha à outra, nem que um método de investigação ou intervenção seja visto como superior ao outro.
Em meu ponto de vista, é fascinante a possibilidade de aumento da interdisciplinaridade, que a pesquisa neuropsicanalítica pode trazer, entre psicanalistas, neurologistas, psiquiatras, neuropsiquiatras, e até mesmo outros profissionais, para que haja melhoria contínua nas formas de pensar e intervir numa infinidade de casos clínicos, de modo que nossos pacientes possam se beneficiar, a cada vez mais, dessas interações e cooperações técnicas, talvez até mais do que nós, enquanto profissionais ou pensadores.