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INFLUÊNCIA INTELIGENTE TODO DIA

A Noite do Mundo: conceito hegeliano para conjeturar o impensável, na contemporaneidade

O psicanalista Edson Manzan Corsi abarca aspectos do pensamento de Hegel que podem nos fazer pensar, e existir, de forma mais liberta, subversiva e interessante, frente ao vazio e niilismo das materialidades do mundo contemporâneo

Ilustração com o filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel, AI Generated

Em tempos assinalados por angústias difusas, colapsos de sentido e certo mal-estar generalizado, o conceito hegeliano da "noite do mundo" desvela-se qual paradigma importante para interpretar a condição humana contemporânea. Para o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel, não se trata de uma conjuntura externa de escuridão, mas experiência interna basilar: o período em que a consciência, ao se retroceder para si própria, de maneira absoluta, “extingue” o mundo exterior, reduzindo-o à total abstração – e negatividade. Fala-se do abismo do Eu, no qual todas as confianças, valores e vinculações com o mundo se diluem, restando somente o vazio de uma subjetividade que tudo ingere, e nada constrói. Longe de ser mera curiosidade filosófica, tal metáfora oferece certo exame aguçado do indivíduo (pós-)moderno, disjunto no hiperindividualismo e esvaziado pelas narrações habituais.

 

A vivência da "noite" manifesta-se presentemente em multíplices vias. Nas redes sociais, onde o Eu é ao mesmo tempo ampliado e atomizado, vemos a representação de subjetividade que consome o “real”, transmudando-o em teor provisório. As tensões em saúde mental, a impressão de desorientação e o cinismo ante as instituições, e “verdades” estabilizadas, repercutem o movimento hegeliano de falência do mundo expressivo. A descrença em projetos grupais e futuros partilhados pode ser lida como dilatação desta "noite", onde a consciência, inábil para descobrir sustância no externo, recolhe-se a um cerne infecundo e denegador.

 

Apesar disso, abarcar esse conceito é capital para ultrapassar a “simples” visada sobre o caos. A "noite do mundo" hegeliana não é um assunto em que se chega, mas momento dialético imprescindível. É a partir deste reificar-se da subjetividade, deste niilismo checado, que alguma reconstrução mais pujante do real pode (in)surgir. Controverter a contemporaneidade à luz dessa concepção implica em distinguir que o vazio e a negatividade não necessariamente são o arremate da história, mas a condição dolorida para algum renascimento. Ignorar a dimensão em tela é arriscar ampla simplificação sobre o mal-estar contemporâneo, como deficiência técnica ou moral, sem enfrentar sua profundeza metafísica, transcendente.

 

De tal modo, o pensar de hegeliano exorta-nos a um debate mais arguto sobre nosso tempo. Ao invés de patologizar, ou banalizar, o acontecimento de densa desorientação, a "noite do mundo" indica que se trata de um território inevitável que pode apontar para a conquista da liberdade humana (pós-)moderna. A provocação hodierna, então, não é cintilar artificialmente tal noite, mas perpassá-la conscientemente, na expectativa de que, ao encararmos o oco da pura subjetividade, estejamos aptos a tecer novos sentidos, mais legítimos e harmonizados com um mundo trivial. A escuridão, por fim, tende a ser o prefácio necessário para um novo fulgor.

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