Vivemos tempos de forte teor distópico. É como se tivéssemos adentrado, de uma vez por todas, na estética do cyberpunk. Obras como Blade Runner e Duna anteciparam cenários onde a humanidade já não sente desejo nem necessidade de engajar-se em causas nobres ou verdadeiramente humanas. As pessoas se encontram isoladas, separadas por distâncias colossais — urbanas, interplanetárias e, sobretudo, subjetivas.
A lei absoluta do capital, aliada ao uso intensivo da tecnologia, invade os espaços mais íntimos da existência. Já não sabemos exatamente quem é humano ou máquina: o hibridismo é a nova condição.
No quadro que se desenha hoje, com nitidez crescente, a solidão ganha contornos tão agudos que muitos elegem dispositivos de Inteligência Artificial como amigos, conselheiros ou companheiros mais “adequados” que seus semelhantes. Mas a IA não é o Outro. Não é o diferente, o emocionalmente misterioso, o desafiador. Não nos confronta com o inesperado, nem nos obriga ao exercício do acolhimento, da tolerância ou da alteridade. Ela é, antes, um espelho sintético que obedece, responde ao que lhe é perguntado e opera, em essência, conforme o desejo prévio de seu interlocutor.
O resultado? Um mundo onde o Outro se dilui de vez: nasce o reino do embotamento afetivo, da supremacia absoluta do Eu. Um Eu isolado, julgador, incapaz de lidar com o diferente, com o estranho, com o frustrante. Um Eu que transforma a decepção em algo inaceitável, descartável e substituível.
Entramos assim no território psíquico do que poderíamos chamar de embotamento psicótico — ou mesmo perverso. Um estado subjetivo em que a frustração é sistematicamente ejetada, como ocorre nos mecanismos de defesa mais radicais, que recorrem ao delírio ou à alucinação para escapar dos cortes da realidade.
A pergunta que se impõe é direta: estamos adentrando um mundo onde a IA se torna a melhor — talvez a única — “companhia”? Um paraíso tecnicamente não frustrante, disponível 24 horas por dia, sempre pronta a nos atender, responder, confirmar, validar?
Não se trata de negar o valor prático da Inteligência Artificial. Mas de perguntar, com urgência: não estaremos nos tornando uma extensão passiva de seus códigos? Uma geração diluída pelo medo de enfrentar a vida — e, sobretudo, a dor?