Sumário
A poesia a seguir retrata a experiência emocional mais profunda que já passei no quesito relacionamento homem-mulher e que precisou ser rompido: casamento seguido de divórcio.
Olvidava que as consequências fossem tão severas e jamais havia desconfiado que meu coração fora fabricado com o mesmo tecido de que Deus fez as plumas.
Há quase dois anos esquivava-me de mim mesmo sobre esta lâmina que cortou-me novas e plurais possibilidades de sorrir. Contudo, é preciso encarar os espelhos invisíveis da consciência. Aliás, nunca tornei público o quanto sofri. E acabei por internalizar uma compreensão de profundo respeito por todos os seres humanos: aprendi que há dores estocadas nos armazéns do peito.
Espero que as letras digam o que as comportas de meus lábios, trancadas, não disseram. Fato é: desejo que esta seja a primeira e última poesia de minha lavra sobre este assunto.
Senti-me pressionado a escrever após tentar conhecer outros corações para poder depositar, seguro, o meu. Mas encontrei meu peito esvaziado de coragem e preenchido pelo medo, que tentei disfarçar, habilidosamente, na máscara do excesso de cautela. Imagino quantos beijos se perderam pelos traumas e temores emocionais que aflingem a criatura emocional.
Que a poesia grite a minh’alma que anseia liberdade de si mesma. E, se você veio com seus olhos até aqui, peço ao Todo Bondade que transforme cada letra destas em estrelas que esfarelam-se em luz a cintilar em seus olhos amigos, como gotas de gratidão iluminadas ao brilho de seu olhar.
E que estes meus sentimentos, agora publicados, possam servir-me de instrumento para eliminar todos os fluídos deletérios que dimanaram da sofreção trevosa que me consumiu madrugadas insonicidas por quase dois anos após a separação.
Sem mais delongas, vamos ao poema!
DESPETALADA QUIMERA
Veja! Rasgo tuas pálpebras para que veja!
Olha para este chão gelado!
Observa o sangue que derrama!
A ferida que d’este poema declama,
As cicatrizes abertas
Do meu peito destroçado!
Entrei qual chama fulminante,
Na labareda de sonhos flamejantes,
De um amor a ter do início ao fim!
O meu espírito, Oh! fênix chamejada!
De asas beija-floreadas
Por uma quimera! Ai de mim!
Cupido, desgraçado!
Porque fincastes no meu sonho esta seta?
Eu era a flama, o raio, a fera!
Que a vida inteira iria dominar!
Mas tu, filho da Vênus e de Marte,
Viu no meu destino a irônic’arte
de eternamente poder gargalhar!
Ora, teu anjo maldito!
Agora que rastejo, coração aflito,
Tu me dizes que’a culpa é minha?
Não é não! Isso eu tenho certeza!
Eu senti! Vi à plena clareza
Que o amor em mim detinhas!
Deus! Tu permitiu o meu padecer,
Venha!, ajuda-me a esclarecer,
O pergaminho de um novo amor.
Segura as mãos do meu sonho,
Perdido qual filho tristonho,
Aponta-me um jardim de flor!
Súplica que verte de minh’Alma,
Carente e escassa de calma,
Ajuda-me a desgraça aniquilar!
Tira o meu braço neste peito detido;
Cuidado, Senhor!, estou ser abatido
Por querer o mundo inteiro amar!
Então veja!
Rasgo tuas pálpebras para que veja!
Olha para este chão gelado!
Estou com os pés descalços, carocantes,
Pisoteando pedras e dores aviltantes!
São estas as cicatrizes abertas
De um peito destroçado!
(Arthur da Paz, 30/9/2017)