Em mundo totalmente voltado a dados e respostas definitórias, a referência ao poeta e artista plástico William Blake, do século XVIII, pode soar antiquada. No entanto, sua árdua oposição à perspectiva mecanicista de Isaac Newton, a quem se referia como espécie de arquétipo do "geômetra", torna-se pertinente ante um eco imprevisto, no pensamento científico do século XX. Blake buscava sustentar que a apropriada percepção da realidade não ascenderia da obsessiva dissecção e exame, mas da imaginação e da vivência “sublime”. Para o artista inglês, a ciência que almejava diminuir o universo a equações e leis rigorosas era cegamente avessa ao mistério, à beleza e à infinitude. Tal atitude, que muitos avaliaram como mero romantismo exagerado, antecipava certo evento que comoveria os fundamentos mesmos da física.
Esse “evento” traz a marca de Werner Heisenberg. Em 1927, o físico alemão elaborou o seu “princípio da incerteza”, uma das bases da mecânica quântica. O princípio coloca que é impraticável medir ao mesmo tempo, com precisão irrestrita, a posição e o andamento – “massa x velocidade” - de certa partícula subatômica. Quanto mais exatamente se observa algum desses valores, mais duvidoso se torna o outro. Isso não é percalço tecnológico, mas atributo basal na natureza. O acontecimento de observar intervém fatalmente no sistema notado, introduz-se, assim, aspecto de imprevisibilidade (e subjetividade observacional) no cerne da matéria.
A similitude entre a intuição de Blake e o achado de Heisenberg é densa. Ambos, cada qual a seu modo, provocam a acepção de um saber totalizante, anunciado pela ambição maior da ciência clássica. Blake obtinha a visada estritamente racional como arrefecimento da realidade, visão unívoca que denega o enredamento do espírito humano - e do cosmos. Heisenberg, por seu turno, evidenciou que, no plano mais básico da materialidade, a certeza absoluta é inalcançável. A cosmovisão nunca é abertamente discernível, antes; trata-se de contextura de possibilidades e potenciais, na qual o observante e o observado estão inevitavelmente amalgamados.
Assim, a dialética entre o poeta e o físico pode agir qual aviso contra a altivez do “conhecimento”. Interroga a confiança pueril de que o método científico, por si mesmo, poderia desnudar todos os arcanos do existir. Tanto a visão cosmológica de Blake - quanto o princípio da incerteza de Heisenberg - nos recordam que opera uma real demarcação face à medida calculável, e certa dimensão de enigma que não se entrega à quantificação. Em tempos de inteligência artificial e de “big data”, essa apreensão é mais fundamental do que nunca: o desconhecido não é um oponente a ser extirpado, mas parcela distintiva de nossa relação com o universo extenso e, digamos assim... em certa medida - impenetrável.