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INFLUÊNCIA INTELIGENTE TODO DIA

Gabriel Nascente: A Imensidão da Palavra

Discurso do jornalista Arthur da Paz, feito ao PEN Clube do Brasil, no Rio de Janeiro, à ocasião do lançamento do livro “A Imensidão do Ontem” do poeta Gabriel Nascente. A obra dá início as comemorações de 60 anos de produção do goiano gigante na literatura nacional

15 de dezembro de 2025: Jornalista Arthur da Paz, o poeta Gabriel Nascente, o presidente interino do PEN Clube do Brasil, o livreiro e editor Carlos Leal e o presidente do TRE-GO, desembargador Luiz Cláudio Veiga Braga, no PEN Clube do Brasil, na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro

Sumário

Senhoras e senhores, confrades da palavra, defensores da liberdade intelectual e da dignidade da literatura, cumprimento a mesa desta sessão, especialmente, na ilustre figura do presidente Carlos Leal, do nosso presidente, o desembargador Luiz Cláudio Veiga Braga que veio aqui prestigiar Gabriel; Gabriel, já cumprimentado e celebrado por todos. Também cumprimentar os grandes imortais da ABL, Cavaliere e Antônio Carlos: uma honra. Também o Leandro Almeida, presidente da Editora Kelps e o Sérgio Fonta, presidente da Academia Carioca de Letras, todos a quem tenho muito alegria e honra de conhecê-los e estar em suas presenças.

Reunimo-nos hoje para celebrar um daqueles acontecimentos que não pertencem apenas a uma tarde ou a um salão, mas ao vasto tempo da cultura.

Reunimo-nos hoje para lançar um livro.

Mas é preciso afirmar desde a primeira frase: nem todo livro é apenas um livro. Alguns são acontecimentos culturais.

Alguns são atos de soberania da palavra.

Alguns existem para lembrar — em tempos de estreitamento mental — que a literatura não se curva a mapas pequenos nem aceita hierarquias artificiais.

A Imensidão do Ontem, de Gabriel Nascente, é um desses livros.

Ele não pede licença. Ele ocupa lugar.

Gabriel não é apenas um grande escritor de Goiás. É um escritor brasileiro de consagração nacional e reverberação internacional, com uma obra que se sustenta por densidade, longevidade, prêmios, circulação e, sobretudo, permanência.

A Literatura no Brasil não se constrói a partir de um único eixo nem se alimenta de um único centro. Ela nasce — e sempre nasceu — da diversidade dos seus territórios, das múltiplas experiências humanas, das vozes que emergem onde há vida, conflito, memória e linguagem.

E digo isso com absoluta serenidade e total firmeza: quem ainda acredita que a grande literatura brasileira nasce apenas em endereços enfeitados de fama e pompa não está apenas equivocado — está historicamente ultrapassado. Sustenta uma visão estreita, centralizadora e intelectualmente empobrecida da cultura. Ignora um dado elementar do nosso tempo: vivemos em um mundo conectado, no qual a erudição de uma mente como a de Gabriel Nascente atravessa fronteiras, dissolve geografias e se inscreve no universalismo da alma humana.

Se suas meditações sobre o caráter humano foram escritas aqui ou acolá — a caneta, a lápis ou no estopim das teclas de sua Olivetti — isso é irrelevante; o que verdadeiramente importa é a estatura das ideias.

A PALAVRA COMO SOBERANIA

Sessenta anos de produção literária contínua não são um acaso.

Não são concessão. Não são herança. São ofício.

Gabriel publicou o primeiro livro aos 16 anos e nunca mais parou. Sua obra hoje ultrapassa mais de 70 livros, percorrendo poesia, crônica, ensaio, ficção, narrativa e jornalismo cultural. Uma média de um livro por ano ao longo de seis décadas — algo que pouquíssimos escritores brasileiros alcançaram.

Quando ele escreve:

“Nasci das carnes da palavra. E me criei poesia dentro do vernáculo”,

não está fazendo lirismo de efeito. Está descrevendo uma condição vital.

Não é um gesto retórico. É um pacto ético.

Há escritores que visitam a palavra. Gabriel vive nela.

E é por isso que sua obra resiste ao tempo, às modas, às arrogâncias vazias — dos que pensam estar acima das estrelas no empinado de seus narizes. É uma obra que resiste, também, às tentativas recorrentes de reduzir a literatura à taça ilusória destes que se sentem santos iniciados num culto imaginário e pretendem aprisioná-la em achismos intelectóides de vaidade.

A PROVA MATERIAL DA GRANDEZA

Poucos autores brasileiros vivos podem apresentar um testemunho editorial como o de Gabriel Nascente.

Sua poesia, por exemplo, foi reunida na coletânea Galáxia dos Dias, uma obra monumental em quatro volumes, com mais de quatro mil páginas, reunindo toda a sua produção poética revisada, ampliada e organizada — algo reservado apenas a autores de lastro canônico.

Essa reunião não nasceu do capricho, mas da necessidade: muitos de seus livros estavam esgotados, ausentes até de sebos, o que demonstra circulação real, leitura efetiva e demanda histórica.

Some-se a isso um dado incontornável: Gabriel Nascente é multipremiado nacionalmente. Finalista do Prêmio Jabuti, vencedor do Prêmio Nacional Cruz e Sousa de Literatura, laureado em importantes certames de poesia Brasil afora e vencedor do Prêmio Nacional de Poesia da Academia Brasileira de Letras (ABL), com o livro A Biografia da Cinza, em 2014.

Esses prêmios não se concedem por cortesia regional.

Concedem-se por universalismo de obra. 

A ARQUITETURA DO LIVRO

A IMENSIDÃO DO ONTEM possui uma arquitetura clara, consciente e madura. Gabriel abre o livro com um texto-manifesto no qual o próprio autor nos entrega a chave existencial da obra. Em seguida, ele traz o ensaio Acontecimento da crônica, que recoloca esse gênero no seu foro de nobreza literária.

O corpo do livro se organiza em quatro grandes territórios:
Sombras do PassadoOs Sapatos do InfinitoA Lucidez de Baco e a novela Um Dia Antes de Mim.

Cada parte possui ritmo próprio e temperatura própria, mas todas convergem para o mesmo centro: a luta da memória contra a fugacidade.

Aqui não há improviso.

Há consciência de forma, densidade de pensamento e unidade ética.

Gabriel transita entre o cotidiano e o metafísico, entre a memória e a crítica, entre o lirismo e a lucidez, sem jamais perder o eixo central: a dignidade da palavra.

GOIÁS NÃO É MARGEM

É preciso afirmar isso com clareza, sem ressentimento e sem hesitação.

Goiás não é margem cultural. Nunca foi.

Goiás produz poesia, prosa, crônica, pensamento, imprensa cultural e obras de alcance nacional e internacional. Goiás produziu Bernardo Élis, Cora Coralina, José J. Veiga, Hugo de Carvalho Ramos, Gilberto Mendonça Teles... Goiás produziu o maior editorialista do País, o incendiário Batista Custódio dos jornais Cinco de Março e Diário da Manhã. E produziu, nascido em 1950, este Gabriel Nascente, que vendia poesia de manhã para poder comer à noite.

Negar isso não é opinião — é desconhecimento da história literária brasileira.

A literatura deste País sempre se fez pela soma de vozes, pela diversidade dos territórios, pela potência dos lugares onde a vida acontece com intensidade.

Gabriel Nascente é fruto desse Brasil amplo, profundo e polifônico.

Sua obra não é regionalista no sentido estreito — é universalista e radicada, e só quem tem raiz sustenta uma copa larga o suficiente para projetar uma sombra sobre o calor das tardes da América Latina.

Ele não é um autor de circunstância, nem de modismo, nem de gueto cultural.

Sua obra articula três dimensões fundamentais: a humana, a estética e a histórica.

Gabriel é um sobrevivente — no melhor sentido da palavra. Sobreviveu às sombras, às indiferenças, às arrogâncias vazias e às mudanças de época. E transformou tudo isso em literatura.

MODERNIDADE SEM SUBMISSÃO

Gabriel não é um nostálgico.

É um crítico lúcido do seu tempo.

Quando denuncia a transformação do homem em extensão da máquina, quando questiona a automação do pensamento e a preguiça intelectual promovida pelo excesso tecnológico, ele não reage por medo do novo — entra compra a briga por amor à consciência.

Para ele, o texto, vestimenta do pensamento, deve causar abalo sísmico no leitor.

Se não provoca esse choque sensível, não é matéria do etéreo.

E aqui reside sua modernidade:
— não se submeter à moda,
— não negociar a linguagem,
— não sacrificar a alma em nome da velocidade.

ENCERRAMENTO

Senhoras e senhores,

A Imensidão do Ontem não é um pedido de reconhecimento.

É uma afirmação histórica que vem para ficar.

É a prova de que a “língua brasileira” continua viva, múltipla, profunda e necessária.

Gabriel Nascente não representa apenas um quantitativo volumoso de obras.

Representa uma ideia de literatura: ampla, livre, ética e monumentalmente brasileira.

Enquanto existirem escritores que acreditam na palavra como território de soberania humana, o Brasil continuará maior do que qualquer visão estreita ou vaidosamente elitista.

PEN Clube do Brasil e a Academia Goiana de Letras devem celebrar por terem, como membro titular, um escritor que está no altar da consciência nacional.

Honremos este escritor que fez da vida substância literária.

Este poeta que transforma o efêmero em permanência.

Este autor que nos dá hoje não apenas um livro, mas um legado.

Senhoras, senhores…

A literatura brasileira só é cosmologicamente maior porque Gabriel existe nela.

No livro A Imensidão do Ontem, Gabriel Nascente é a própria imensidão.

E o ontem que ele nos entrega hoje continuará iluminando o amanhã.

Muito obrigado.

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