Sumário
Não temos a serena perenidade do dólar ou da libra. Assim, basta a efígie do monarca britânico do momento (hoje e desde 1953, a Rainha Elizabeth II) para as notas de libra, e dos cinco notáveis americanos (Lincoln, Hamilton, Jackson, Grant e Franklin) para as de dólar, e pronto.
Caso retomássemos a tradição adotada pela numismática brasileira durante a adoção do cruzeiro como moeda, de homenagear vultos nacionais expressivos, a partir de 1942, onde teríamos ido parar? Ou pior, como estaríamos hoje?
A série original começava com Tamandaré, o patrono da Marinha, e o Duque de Caxias, patrono do Exército, nas notas de Cr$ 1 e 2 cruzeiros. Poderiam perguntar: "Uai, e onde ficou a Aeronáutica?". Ocorre que a Aeronáutica só veio a ter patrono em 1991, quase cinquenta anos depois da edição da nova moeda, e seu patrono não foi lembrado.
A efígie da nota de Cr$ 5 cruzeiros era do Barão do Rio Branco, glória de nossa diplomacia. O único personagem vivo homenageado era o ditador em exercício: Getúlio Vargas, convocado a ilustrar a nota de Cr$ 10,00 cruzeiros.
Seguiam-se homenagens a acontecimentos memoráveis, ligados a figuras históricas respectivas: a princesa Isabel, marcando a libertação dos escravos (Cr$ 50,00 cruzeiros), o Marechal Deodoro da Fonseca, lembrando a Proclamação da República (nota de Cr$ 20,00 cruzeiros), o imperador Dom Pedro II, o consolidador do Império, lembrado na nota de Cr$ 100,00 cruzeiros, o Imperador Dom Pedro I e a independência do Brasil (Cr$ 200,00 cruzeiros).
Encerrando a série, vinham o príncipe regente Dom João VI nas notas de Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros), recordando a elevação do Brasil a Reino Unido, e o próprio descobrimento do país, na figura de Pedro Álvares Cabral, na nota de Cr$ 1.000,00 (mil cruzeiros). Diferente dos demais países americanos, o Brasil não aderiu à ideia de termos, como os americanos, um único descobridor, Cristóvão Colombo. Optamos por ter um descobridor próprio, particular e intransferível.
No que dizia respeito a moedas metálicas, poucos acréscimos: vultos foram lembrados ainda. José Bonifácio de Andrada e Silva, o patriarca da Independência (moeda de dez centavos de cruzeiro), Rui Barbosa, jurista (moeda de 20 centavos de cruzeiro), e Eurico Dutra, presidente da República entre 1945 e 1951, o primeiro a ser eleito em eleições democráticas após o Estado Novo (moeda de cinquenta centavos de cruzeiro). Não houve efígie de pessoas nas moedas de 1 e 2 cruzeiros, sendo substituídas por um mapa do Brasil.
Mas, e agora? Como faríamos perante a ameaça de uma nova hiperinflação, com esfacelamento do poder aquisitivo da moeda e a necessidade de novas efígies para distinguir os novos valores, como ocorreu nos anos 70 e 90?
Naquela época, apelamos para o corte de três zeros e invocamos novas figuras de vultos nacionais. Então, descobrimos que, além da implacabilidade da inflação, que rapidamente banalizava os símbolos monetários, cada vez tínhamos menos figuras nacionais ou de significância suficiente para a necessidade de novas notas.
Com a adoção do cruzado, em 1986, ainda pudemos recorrer a um jurista (Rui Barbosa), dois sanitaristas (Oswaldo Cruz e Carlos Chagas), um maestro (Villa-Lobos), um escritor (Machado de Assis), um pintor (Cândido Portinari) e mais um político, Juscelino Kubitschek. Em 1989, o advento do Cruzado Novo homenageou Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles e Augusto Ruschi. E parou por aí.
Nessa toada, acabaríamos homenageando Lula, Tiririca ou Pabllo Vittar no nosso dinheiro.
Essa confusão cessou com o Real, que privilegiou bichos em lugar de pessoas; hoje convivemos com a representação de símbolos: tartarugas, garças, onças, araras e garoupas, e não se fala mais nisso. Melhor assim, não? Ou quem sabe estaríamos, daqui a pouco, convivendo com notas de Lulas, Dilmas, Têmeres, Bolsonaros e Mourões...

Marco Antônio da Silva Lemos é ex-desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Amapá, também desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Foi editor do jornal Diário da Manhã.
Este texto é exclusivo para o jornal Liras da Liberdade. Foi o primeiro texto enviado para o novo jornal. O artigo estava guardado no e-mail do jornalista Batista Custódio.