O filósofo e psicanalista cultural esloveno Slavoj Žižek, ao tecer um panorama conceitual sintético sobre a obra máxima de Sigmund Freud, A Interpretação dos Sonhos, diz que a “lição última” desse grandioso e fundamental livro é que “a realidade é para quem não consegue sustentar o sonho”. O texto de Arthur da Paz, como um todo, leva-me a rememorar tal consideração — tanto filosófica quanto crítica e lírica — por perpassar a base da vida: o sonho, que podemos contrapor às agruras, por vezes tão tenebrosas, da realidade. E, além de deixarmo-nos por ele ser absorvidos, talvez ele realize, conforme sua força e incidência, que, em seu nome, lutemos.
Aqui, sonho se torna, por conseguinte, mais do que fenômeno onírico que podemos narrar após despertarmos de nosso profundo ou agitado repouso — seja sono restabelecedor ou angustiosamente perpassado — e que ocorre ao longo desse estado de inconsciência. Pode ser definido, para além disso, como desejo, projeto, esperança, luta por uma causa; desejo sério, no sentido de inerente ao ser, untado de caráter visionário, formação interna ligada a motivações individuais e, no caso específico de Arthur, de densa transmissão psíquica, de pai para filho.
Há o sonho de Arthur, narrado na crônica à qual remetemos, e que você, que ora nos lê, é incentivado a prestigiar, permitindo-se a chance de percorrer esse texto elaborado, imagético, afetivo e, por vezes, grave; de fato, comovente. E há o sonho de Arthur, que perpassa seu dia a dia, planos, aspirações, buscas e batalhas práticas; ideais e anseios, ao longo do viver, com o qual podemos nos identificar e co-movermo-nos (escrito mesmo assim), para que nos movamos juntos, para além de sentir com, e (quem sabe) possamos ser levados a, da forma que pudermos, com ele colaborar.
A escrita de Arthur é bem gradual, detalhada, mas enérgica; mostra a necessidade de narrar, compartilhar e apresentar que se constrói algo a partir dali. É fundacional e basilar, fundamenta as missões do Liras da Liberdade e seu rosto ético-filosófico. Para além das agruras, Arthur alça voos potentes, auspiciosos... É possível sintonizar-se com ele, em um ou em diferentes planos e visadas, e querer participar da jornada, de peito aberto e mente leve...
O desejo humano se perfaz assim, quando nos propomos às vivências e aos preços a se pagar, sem nos vitimizarmos, mas em tom de “avante” e fora de fantasias idiossincráticas; tendo em conta que não podemos construir nada sozinhos, e que os traços da condição humana estão aí para todos, delineando luzes e sombras, lamentos e nossos brilhantes e potentes futuros sorrisos.
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