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INFLUÊNCIA INTELIGENTE TODO DIA

A caverna é a escuridão das cabeças

Em artigo, Antônio Lopes aborda desafios éticos e sociais na interseção entre filosofia e religião. Autor reflete Direitos Humanos sob uma perspectiva humanista e acadêmica. Professor de Humanidades traz visão crítica fundamentada em sua ampla trajetória acadêmica.

Professor Antônio Lopes autografa seu livro: "A Instituição Prisão, manchete histórica"

Sumário

“A humanidade e suas alternativas do chicote numa mão e um cheeseburguer na outra”, Steiner

Diz-se das leituras que enlevam a alma, o espírito e a consciência. Nelas, a trespassá-las a todo tempo, o tempo todo, o poder efêmero do homem mortal, neandertal e sapiens travestido em ‘digital influencer’. O hábito em ler fez com que até os dinossauros transpirassem informações colhidas por entre fungos e ácaros da velha literatura pintada a riscos e signos no papel. Em tempos pós-modernizados a tecnologia e pesquisas sem fim, nem teor, seguem arquivadas em prateleiras abstratas, nas nuvens, acessadas a dedos e olhos escravizados por telas frias e virtuais. As plataformas que mal contam do silêncio mudo e morto da ameba conjuntural advinda de Charles Darwin, no século XIX. Na bola de cristal da Ciência comercializada pulsam o átomo de John Dalton (mesma época de Darwin), a poeira de estrelas de Isaac Asimov, pesquisadas no século XX, e a promessa da salvação de templos milenares engolidos pela religião de mercado, a reforçar que ambas vendem e barganham falácias, poder político, ideologias segregacionistas a imolar um povo, sua história.

Diz-se dos becos da ética acuada pela relação histórica homem-natureza, antes infinita, hoje, transformada no vaivém do fluxo por entre buracos negros que o homem do século XXI, plastificado e medroso, atordoado e análogo aos robôs busca clarear com a lanterna da ignorância. O infinito espaço, espaço sem fim e ignorante desconhece a escuridão das mentes que nascem e morrem na caverna da (in)existência minguada, a plagiar a brincadeira da amarelinha por meio da imaginação-cabeça-consciência-verdade-mentira-eu-talvez-o-outro. No século XVIII o naturalista Georges-Louis Leclerc especulou a inferioridade, caráter degenerado e imperfeito de animais e humanos a partir do Continente europeu, história sem fim tramada entre três espécimes mortais retratadas no Homem e na Natureza, no Universo e ainda na Terra, habitada por plantas e minérios, peixes, pássaros, incontáveis seres vivos pulsantes a atiçar a curiosidade e cobiça humana quadrúpede, inconsciente e irresponsável. O pior dos bichos promove, há Eras, o maior espetáculo vivo por entre centenas de milhares de detalhes que fizeram o conde de Buffon escrever a obra “História Natural”, reconhecida por Darwin enquanto precursora do conceito de espécie.

Diz-se na Introdução dessa reflexão caótica transformada em texto, diz-se do viajar por entre três ou quatro séculos a laços, braços e mentes - fatores (des)humanos - atados à Era da Caverna. Cabe lembrar que o Universo, a cada cem anos, promove ao homem a maravilhosa arte de viver e morrer neste Planeta que exige a sapiência que ratos baratas e outras espécimes imortais esbanjam ter. Tal loucura consciente denota a percepção da significância de quatro elementos doados à ameba darwiniana plena de glórias e “status”, medalhas e crachás, símbolos e signos, cargos e dinheiro, poder de dividir e promover a riqueza, e, o seu contrário quando expropria a miséria da existência aonde e quando, em dias atuais e sombrios de muita guerra e pouca paz, faz da descoberta de vacinas o amealhar de direitos e deveres, taxas a arrecadar e mover a lambança do mercado global. Fantástica e fantasmagórica a realidade exige do homem alguma verdade ajoelhada frente ao espelho das falácias, enquanto denuncia aquilo que se tornou, em si mesmo, o ser humano abortado da benevolência e da sabedoria embebidas no caldo sangrento da covardia ‘capetalista’.

Representação simbólica da harmonia entre filosofia, religião e direitos humanos, destacando a busca pela compreensão e pela dignidade humana

Diz-se da razão descartável conta do sujeito idiotizado na cegueira do egoísmo, o homem moderno parido no nicho da herança conquistada no afano das dignidades, no desentender do que venha ou possa ser a compreensão de que "para ser o que sou hoje, fui vários homens e, se volto a encontrar-me com os homens que fui, não me envergonho deles. Foram etapas do que sou. Tudo o que sei custou as dores das experiências. Tenho respeito pelos que procuram, pelos que tateiam, pelos que erram. E, o que é mais importante, estou persuadido de que minha luz se extinguiria se eu fosse o único a possuí-la" (GOETHE, 1749-1832). A fotografia em três por quatro do Velho Mundo, dito modernizado, o aparta enquanto imagem desenhada em preto e branco concreto-abstrata da fração que lhe resta de humanidade. 

Diz-se que a ferramenta viciante da tecnologia promove aos homens o seu afastamento da natureza, a extinção das espécies incluindo a si mesmo. Se há resposta a tal estranheza, por certo que ri aquele que respira fora da bolha da Ciência, da expertise (des)humana infinitamente maior que a (in)consciência das possíveis e passíveis (im)possibilidades naturais. A depender das quatro estações, do ar e da água, fogo e terra o Planeta se abriga no homem que insiste no feminicídio da deusa e casa mãe. Parte viva do sistema infinito, a comunicação, por meio de signos e algoritmos, segue transformada pela ferramenta das teclas acéfalas a acuar na caverna pós-moderna e à palma das mãos os novos adoentados mentais. Estáticos e endurecidos pela síndrome do esforço repetitivo (Ler-Dort) os dedos travados denunciam sujeitos escravizados pelo viciante e adoecido mundo virtual, mazela conjuntural capitalista a ser estudada pelos bisnetos da terceira década dos anos dois mil.

Diz-se da distopia ou vaivém das iniquidades, do não acesso educacional da maioria populacional, de novas-velhas verdades montadas a “fake News” que insistem em esconder a ciência e o milagre da fração efêmera e desconhecida da Física exposta no átomo de Dalton, no século XIX. A aguardar os próximos escândalos a reflexão filosófica, cegada no rastro da Poeira de Estrelas de Isaac Asimov (1920-1992), vive pesadelo sem fim da Era virulenta e fatalista. A razão da Era Pós desconhece a origem e o passado, incapaz de prever quaisquer chances de algum futuro, ou, a vida dos cidadãos que já nasce abortada da literatura, do prazer de respirar e banhar no rio, plantar e colher, aquecer-se no aconchego do fogo ou colo humano. A banalização da cultura desmerece conquistas da Velha Ciência comercializada a conta-gotas no corredor mercadológico da ficção científica exposta na bandeja dos desejos de sons e da imagética Netflix.

Diz-se da Sociologia, Filosofia e do Jornalismo transformados em negócios, impregnados das super ideias paridas no novíssimo capitalismo direcionado a super homens paridos pela imaginação do modelo americano de consumo Tesla. Mundializada e peculiar a imaginação tornou-se faz de conta universal, como que a plagiar cogumelos no terreno úmido e canceroso das mais novas lideranças caolhas, já na sua gênese, do preceito da originalidade. A pretender a importância de Dante, Kafka, Marquês de Sade os transformados a fluxo e efemeridades da tecnologia à palma das mãos seguem curvados ao vício da tela fria que deixa rastros da (des)humanidade efêmera e cansada cujos adjetivos e codinomes esbarram no ridículo da existência banalizada, órfã da essência e das liberdades individuais, há muito, cegadas pela velocidade do mundo palpável travestido em digital. 

Diz-se da geração vindoura e sem tempo de brincar, lá fora, em meio ao mundo real, a contar com “governadores do mundo a descobrir que o condicionamento infantil e a narco-hipnose são mais eficientes como instrumentos de governança do que porretes e prisões, e que a cobiça pelo poder pode ser completamente satisfeita ao sugerir que as pessoas amem a sua servidão, ao invés de chicoteá-las e chutá-las à obediência” (Aldous Huxley, 1894-1963). A pensar, o mundo a partir da caverna, de dentro para fora e vice-versa, a mágica da reflexão que fará reviver Foucault em sua obra “Vigiar e Punir”, discutir a prisão enquanto “o aparelho disciplinar perfeito que capacitaria a um único olhar tudo ver permanentemente” (2014, p. 170). A dizer e contar sobre o corpo, a escrita de Orwell, vitimado pela tuberculose e que, nas últimas horas, para aliviar sua dor e atender seu desejo sua mulher, Laura, lhe injetou várias doses de LSD, a ‘soma’ da moda (Carta Capital, 2021, n.º 1.142).

Diz-se, novamente e sobre o mundo da caverna, em haver um lá fora, morrer a cada dia e hora, o que se esconde, lá dentro e cá fora, das obscenidades da Era Pós malvestida a egoísmo humano, troncha em suas relações de consumo exacerbado. Adentrar essa discussão à Universidade é tarefa desse centro de formação presencial tornado campo de concentração da massa acéfala virtualizada, a distância. Se a juventude foi transviada a pó e bola nos anos 1970, pós a Crise do Petróleo de 1973 passou a ser vista em cima do muro, não o de Berlim - Alemanha, mas o da superficialidade frugal. No âmbito da ótica funcionalista de Althusser e Bourdieu o Centro de Educação e Formação das Humanidades transformou em Campus do estudo dividido entre disciplinas das Humanidades e/ou Exatas, descaracterizado que foi pela proposta capitalista do ensino “fast-food” a atuar sob o viés empresarial. O aluno finge que estuda e paga, o professor finge que ensina e recebe, a escola finge que forma e enriquece o dono via comercialização de direitos estampados na Carta Magna da Colônia. 

Diz-se que a estrutura educacional “formadora de ideias e pessoas” anda a “serviço e a explorar o vil metal”, na condição de rede complexa das interações de distintos mecanismos da Superestrutura - Instituições e Ideologias, Sistema Político e Realidade Cultural. Neste caso, o mestre controlado pelos mecanismos de nomeação enquanto currículo visível no desempenho da função de ser professor, cumprir pesquisas, parir artigos, ter livros publicados, além da opinião de eminência parda a serviço de ‘assessorar’ reitorias. Este fato tende a se tornar acontecimento ao reproduzir sobre o aluno a dialética do senhor e escravo de Hegel, ou seja, “o senhor oprime o escravo e ao mesmo tempo é escravizado pela máquina que ajudou a construir” (TRAGTENBERG, 1990, p. 71 e 148, apud prof. Nildo Viana-UFG).

Diz-se da realidade planetária que revela “a Humanidade e suas alternativas do chicote numa mão e um cheeseburguer na outra” (Steiner, 1861-1925). A depressão globalizada transpira o caos social e comportamental, de saúde mental atado ao lado espiritual da vida acuada no fluxo do sistema capitalista. A caverna da existência anda relegada à frieza da ambição do ego. O Brasil, aos olhos da Organização Mundial da Saúde (OMS), detém 5,8% da população trabalhadora afetada pela loucura normatizada em um Mundo onde a média bate os 4,4%. Nas Américas, o Brasil segue os Estados Unidos, estes, com 5,9% da população perdida no caldo da explosão de ideias que faz girar o Globo da Morte em que se transformou o conviver e sobreviver, lutar no Circo Humano. A Era contemporânea conta fator preponderante na onda de psicoses, as mais diversas. O neoliberalismo e a meritocracia, expostos nos discursos da gestão pela gestão em busca de poder e afundada na corrupção generalizada dão norte a estudos da Psicanálise no divã das Universidades. 

Diz-se da crise conjuntural a esbarrar na ascensão do Neopentecostalismo, arena na qual as ‘igrejas de R$ 1,99’ vendem a ideia de prosperidade a dízimos, explanado na obra Uma Biografia da Depressão. Diz-se que a grande doença do século 20 não é fenômeno brasileiro, tem gênese nas “Boogie Nights” do roteirista Paul Thomas Anderson, anos 1970, quando, a partir de Nova Iorque, ideias e ideais de moda e guerra giravam fora da caverna dos Estados Unidos, escondidas na caverna da Escola de Chicago, a promover a atualização permanente, a individualização dos fracassos, a excessiva idealização sobre resultados e metas de si mesmo, apesar da dor e vazio da próxima carreira. A produtividade fundamenta o sentido da vida sem sal nem doce, transforma indivíduos, suas vidas e redor interpretados na condição de empresa. O paradigma da existência sob o véu da Era Pós-Tudo, assim exposta por Eric Hobsbawm (1917-2012) escorre no funil das redes sociais supostas a conectar e reconectar sujeitos isolados do lado de fora da caverna capitalista efêmera, em suas mais diversas expressões sociais, pela questão social retratada no Contrato Social açodado por novas relações de trabalho, catástrofe tramada a expor dois lados, o do milagre do dinheiro e aquele da morte certa do trabalhador. 

Diz-se que, ao pintar o quadro da banalização do sofrimento pelas exigências de mercado, quem sabe sobre algum sentimento de pertença maior que a lacração e negacionismo, redução do tamanho do Mundo na medida inexata da planificação terrena, mesmo da caverna em que transformaram as relações sociais e sexuais, do comércio em guerra, do valor negociado da paz. Questão de mercado, as exigências emergenciais esbarram na redução da diversidade, na imposição da realidade artificial, no fomento da exclusão sociopolítica, econômica e cultural, no abandono da loucura nas almas e mãos dos sujeitos sem face que sofrem dos transtornos mentais. No geral, há uma exigência da depressão enquanto moda a ser medicada e medicamentosa, rentável, exige aumentar o tamanho do mundo material, reduzir a arena do ato de pensar, caminhar, respirar e viver alguma fagulha humana. 

Diz-se que, mundo afora, o exterior da caverna foi locado ao mundo interior da caverna digital. A cura dessa mazela se dará a partir da redução da expansão do narcisismo, exige centrar o homem no seu próprio ser, forjar as idealizações alicerçadas não na falácia do lugar perfeito e inimaginável, inalcançável cujas histórias maravilhosas de sucesso seguem vendidas por ‘coachs’, os mais novos mágicos capazes de alçar voos e resultados extraordinários para-além do humano, para-além da caverna, para-além do diz-se-me-disse-não-disse. A autenticidade das pessoas que se vendem retratam suas diversas autenticidades em moda quando “todos querem ser diferentes uns dos outros”, o que força a “produzir a si mesmo” em série clonada vazia de essência, alma, identidade. É impossível verdadeiramente tornar-se diferente no umbral conjuntural, afinal “nessa vontade de ser diferente prossegue o igual, o sistema só permite que existam ‘diferenças comercializáveis’”, assim explicado por Byung-Chul Han, em ‘Sociedade do Cansaço’, em 2015.

Diz-se da autoexploração que passou do ‘dever fazer’ ao ‘poder fazer’, e do ‘viver com a angústia de não estar fazendo tudo o que poderia ser feito’. Mais, que se você não é vencedor, a culpa é sua, porque ‘hoje a pessoa explora a si mesma achando que está se realizando; é a lógica traiçoeira do neoliberalismo que culmina na ‘Síndrome de Burnout’. A consequência imediata da Era Pós retrata ‘não haver mais contra quem direcionar a revolução, a repressão não vem mais dos outros, mas da alienação de si mesmo”, a qual, no plano físico concreto se traduz em anorexias, compulsão alimentar, consumo exagerado de produtos ou entretenimento (HAN, 2015).

Diz-se que fora da caverna concorrencial o manto da tristeza estende sobre toda a humanidade e avisa “não haver lenços suficientes para enxugar tantas lágrimas por causa da vítimas do Covid-19” (Leonardo Boff, 2021). Há urgência em saber definitivamente sobre este vírus responsável por acuar a sociedade, nas suas mais diversificadas formas de cavernas, que não poupa ninguém, e ‘pôs de joelhos as nações militaristas que se encheram de armas, capazes de exterminar toda a vida no Planeta, inclusive a humana’ A partir das lentes fenomênicas de Boff, pensador brasileiro o fato histórico de que Alexandre, o Grande (356-323 A.C), morreu picado, provavelmente, por mosquito que produzia febre viral (a febre do Nilo Ocidental). Não se deve negar existir mais que um vírus invisível, o qual arrasou com parte da arrogância humana, consequência da sistemática agressão à natureza caracterizada na transformação do Antropoceno em Necroceno. 

Diz-se, por meio da metáfora sábia da reflexão de Boff com relação à parábola do Monte das Oliveiras, no Getsêmani, aonde e quando, na iminência da morte, Jesus suplica: “Pai, afasta de mim este cálice; mas não se faça a minha mas a tua vontade” (Lucas 22,42). Este mesmo revolucionário vaticinou: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lucas 23,46). Reforçado por São Marcos a lembrar: “Dando um imenso brado, Jesus expirou” (apud Boff, abril, 2021). Na tradição escondida da caverna da Semana que dizem ser Santa, os homens revelam que não, enquanto mentem sobre a “coisa mais valiosa na vida que é o seu tempo e energia, ambos limitados, ao que você der seu tempo e energia, definirá sua existência” (Anthony Hopkins).

Diz-se do pulso, que ainda pulsa!

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