Sumário
A Suíça, país amplamente conhecido por suas políticas liberais em relação ao suicídio assistido, tornou-se novamente o foco de intensos debates após o primeiro uso de uma cápsula de suicídio assistido conhecida como Sarco. O evento resultou na prisão de várias pessoas acusadas de "induzir, auxiliar e instigar suicídio", conforme relataram as autoridades locais na última terça-feira (24).
A cápsula futurista, impressa em 3D, foi implantada em uma floresta no município de Merishausen, no norte da Suíça, próximo à fronteira com a Alemanha. A máquina, batizada de Sarco, foi criada por Philip Nitschke, médico australiano e defensor da eutanásia, que desde a década de 1990 promove debates sobre o direito ao suicídio assistido. Segundo a polícia do cantão de Schaffhausen, uma mulher americana de 64 anos, com um sistema imunológico gravemente comprometido, utilizou a cápsula para pôr fim à sua vida.
As autoridades não divulgaram a identidade das pessoas presas, mas Florian Willet, copresidente da organização The Last Resort, estava entre os detidos. A organização é responsável pela operação da cápsula. Willet, juntamente com um jornalista holandês e dois cidadãos suíços, enfrentam acusações formais, embora detalhes específicos sobre os processos ainda estejam sob sigilo.
O porta-voz da The Last Resort defendeu a ação, afirmando que a morte foi "pacífica, rápida e digna", e que a mulher passou por avaliações psiquiátricas antes de realizar o ato. A cápsula Sarco gera a morte ao liberar gás nitrogênio, levando à diminuição do oxigênio e à morte por hipóxia, num processo considerado "indolor" pelos seus defensores.
No entanto, a ministra da Saúde da Suíça, Elisabeth Baume-Schneider, expressou preocupações sobre a legalidade do dispositivo, afirmando que ele não atende aos requisitos de segurança e que o uso de nitrogênio contraria as normas vigentes.
Debate Religioso: É o pior dos crimes
As principais religiões do mundo, como o Cristianismo, o Islamismo e o Judaísmo, mantêm posturas firmes contra o suicídio, incluindo o assistido. Segundo a tradição cristã, o ato de tirar a própria vida é um pecado contra a criação divina. O Catecismo da Igreja Católica afirma que "o suicídio é gravemente contrário à justiça, à esperança e à caridade. É proibido pelo quinto mandamento". De forma semelhante, o Islã considera o suicídio um grave pecado, conforme o Alcorão, que enfatiza que "não matem a si mesmos, pois Deus é misericordioso com vocês" (Alcorão 4:29).
Do ponto de vista religioso, o ato de tirar a própria vida fere a relação do ser humano com o Criador, desrespeitando o dom da vida. O suicídio assistido, nesse contexto, é visto como uma violação ética que não pode ser justificada por condições físicas ou mentais adversas. A condenação religiosa baseia-se na crença de que a vida, em todas as suas formas e circunstâncias, deve ser preservada.
O Espiritismo, a mais moderna doutrina espiritualista da atualidade, é um dos principais pilares que condena frontalmente a opção pela partida voluntária da vida. Não há desculpas ou "curvas argumentativas" que possam justificar a opção suicida.
As comunicações mediúnicas, dos mais sérios e renomados médiuns, tanto nas obras fundamentais da doutrina francesa, quanto nos livros psicografados por Chico Xavier, considerado ser a maior antena psíquica da história depois de Jesus, narram as complicações que o suicida encontra na Erraticidade (o plano onde os espíritos existem fora do corpo).
Debate Filosófico: A ação deplorável
Filosoficamente, o suicídio assistido também encontra resistência. Filósofos como Immanuel Kant foram categóricos ao condenar a prática. Kant acreditava que a vida humana possui um valor intrínseco e que o suicídio, ao violar o imperativo categórico – que orienta a agir de modo que a ação possa ser universalizada como uma lei moral –, não poderia ser moralmente justificável. Para Kant, o suicídio é uma negação da própria razão e dignidade humana. (Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant)
Mesmo em contextos mais contemporâneos, como os de filósofos existencialistas, o suicídio não é promovido como uma solução. Jean-Paul Sartre, por exemplo, reconhecia a liberdade radical do ser humano, mas considerava que a responsabilidade ética sobre a própria vida e sobre os outros deveria ser mantida, o que inclui a preservação da vida.
Problema coletivo da Suíça
Embora a Suíça tenha leis, desde 1942, que permitem o suicídio assistido em determinadas condições, o caso da Sarco traz novos desafios legais e éticos. O uso de uma máquina automatizada e as preocupações com a segurança dos métodos empregados levantam questões tanto sobre a regulamentação quanto sobre a ética envolvida na automação de algo tão delicado como o fim da vida.
O fato de várias pessoas estarem sob investigação criminal reforça a tensão entre a legislação local, as práticas inovadoras de suicídio assistido e os valores morais e filosóficos que guiam o debate global. Enquanto o The Last Resort defende a cápsula como uma ferramenta de "morte digna", as autoridades e críticos sugerem que a automatização e simplificação do processo pode trazer consequências perigosas e questionam a verdadeira natureza da escolha livre no uso da máquina.
Este incidente evidencia que, apesar das liberdades legais na Suíça, o tema continua sendo profundamente controverso, permeando não apenas discussões jurídicas, mas também religiosas, morais e filosóficas.
No mundo
Poucos países também já liberaram esse tipo de morte voluntária, mas boa parte deles determina a presença de doença e o estado terminal como condições imprescindíveis para a autorização.
A Associação de Médicos da Austrália (AMA), por exemplo, permanece contrária à morte assistida, que é vista por eles como uma prática antiética da medicina.
"Médicos não são treinados para matar pessoas. Na nossa ética e na nossa formação, isso não pode ser apropriado", afirmou o presidente do órgão, Michael Gannon, durante o debate legislativo do último ano no estado de Vitória.
"Agora, não é todo médico que concorda com isso", afirmou.
Uma pesquisa da AMA indicou que quatro em cada dez membros da associação apoiavam as políticas pelo direito de morrer.
Clientela suicida
O site da compania que, na prática, vende a morte do seu cliente, utiliza eufemismos convincentes como lead para conquistar com irônica tranquilidade candidatos suicidas. A capacidade de convencimento para forçar a naturalização do suicídio é evidentemente perceptível na propaganda na página inicial da empresa, na internet. Eis a chamada:
Na The Last Resort, o Sarco representa o futuro da morte.
Uma cápsula impressa em 3D que dá ao usuário o controle total sobre o momento de sua morte. O Sarco funciona reduzindo o nível de oxigênio na cápsula a níveis letais. A pessoa dentro respira normalmente. A consciência se perde em segundos. A morte ocorre pacificamente alguns minutos depois.
O Sarco é uma opção pacífica, confiável e sem uso de drogas para uma morte eletiva e legal na Suíça.