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INFLUÊNCIA INTELIGENTE TODO DIA

As lutas travadas por Batista Custódio

Fundador dos jornais Cinco de Março e Diário da Manhã, Batista Custódio marca história da sociedade civil brasileira. Jornalista faleceu há um ano, deixando legado incomensurável de defesa do cidadão

Batista Custódio sentado à sua mesa, no centro da Redação do jornal Diário da Manhã. Local de onde ele comandou revoluções no jornalismo, desde 1980 (Crédito: 15.05.20014 por Edilson Pelikano)

Sumário

Memória

Goiás perdeu há um ano, no dia 24 de novembro de 2023, um dos maiores comunicadores da sua história. Carismático e defensor intransigente das liberdades civis, Batista Custódio foi até os últimos dias de vida atuante no propósito de informar ao cidadão seus direitos — e exercer a divulgação da cultura como prática civilizadora. Após sua morte tenta-se catalisar sua história e legado público, principalmente de fomentador da estera pública mais democrática que se tem notícia no país.

Na segunda-feira, 25, às 19h, a família do jornalista realiza missa de um ano do falecimento (Rua C-180, n. 104, setor Nova Suíça). O propósito central da solenidade é prestar homenagem ao combativo fundador do Cinco de Março e Diário da Manhã, rememorando sua vida e morte sob a margem e conforto da religiosidade — um traço marcante de Batista, sempre cristão (aberto ao espiritismo), mas sem ser sectário e chato com dogmas. Numinoso, jamais fanático. própria forma com que lidava com a religião já é um legado que o joga lá no futuro. 

“Posso dizer qualquer coisa do Batista, mas não será suficiente para falar dele. Todas as qualidades... de todo amor que Batista carregava dentro dele. Batista amava toda humanidade. Ele sentia a dor do outro profundamente — talvez até mais que as dele. Nunca conheci alguem com aquela sensibilidade. E acho que nunca mais vou conhecer. Ele vai continuar fazendo falta para mim a vida inteira. Nunca vou deixar de sentir a falta dele. Tudo o que vejo, vejo Batista. O legado maior que deixou: nossos filhos. Os meus, os dele, os nossos. Todo mundo que passou na vida dele nunca deixará de sentir saudade. Quanta falta ele faz nesse momento político! Quase ninguém falando nada com aquele amor e clarividência que só ele tinha de apontar caminhos e não só xingar”, diz emocionada Marly Almeida, viúva do jornalista.
Batista Custódio e sua esposa Marly Almeida, em sua casa no Setor Nova Suíça. (Foto: 9/8/2024 por Arthur da Paz)

Um dos retornos possíveis ao legado jornalístico de Batista passa invariavelmente por diversos capítulos, como a atuação crítica da juventude com o semanário criado ao lado de Telmo de Faria e Consuelo Nasser. No Cinco de Março, nas décadas de 1950 e 1960, Batista provocou a esquerda e direita, jamais escolhendo um lado para se posicionar. Denunciou as barbaridades dos governos, teve seu jornal empastelado e acabou preso. Seu Habeas Corpus foi lido no Supremo Tribunal Federal (STF) como um grito de liberdade. Dali começou sua luta: todos deveriam expressar sua opinião. Existir e não opinar — para ele — era um desperdício de liberdade.

No Diário da Manhã, Batista levantou bandeiras, sendo pioneiro no jornalismo cívico e cidadão. Influenciou o jornalismo open source — quando traz gente da sociedade para se comunicar, independente da formação. Sempre foi claro: jornalista não é profissional liberal, mas sacerdócio, com missão e encargo. Daí que o sentimento de “chamado” era mais forte que a mera prática acadêmica.

 Campanhas

A partir da influência de Batista, o Diário da Manhã iniciou movimentos e campanhas sociais que entraram para a história da sociedade civil goiana. Um exemplo ocorreu em 1985. Na época, o jornal assumiu o protagonismo da defesa da construção da ferrovia Norte-Sul. Criticada pela imprensa paulista, a proposta do então presidente José Sarney foi fulminada pelos inimigos do desenvolvimento do restante do país. Batista marchou pelo lado contrário e denunciou o corporativismo de São Paulo-Rio. Após reunião com o presidente, Batista assumiu a missão de comunicar como a ferrovia mudaria o Brasil.

A equipe do DM produziu um caderno especial e séries de reportagens que detalhavam a importância logística do projeto. O material se espalhou pelo Brasil e tornou-se um marco na defesa da Norte-Sul. Ao lado dos filhos Júlio Nasser e Fábio Nasser, criou espaços para a sociedade defender o projeto e entender como a logística desenvolveria o interior do Brasil. Quando Ronaldo Caiado participou efetivamente da liberação total da ligação ferroviária, em junho do ano passado, Batista disse que um dos seus sonhos se realizava.

Honra

Preocupado com o abuso do denuncismo que assolava o Brasil no início do século, Batista Custódio lançou a campanha pela “Ética e Honra”, em 2002. O movimento era uma resposta ao ambiente de denúncias irresponsáveis que marcava o período: calúnias e difamações dominavam a imprensa. O jornal então tomou posição ao recusar publicar acusações sem comprovação judicial. A reflexão sobre os limites éticos da imprensa causou debates no Judiciário e nas esferas da imprensa, lembrando aos veículos que eles não tinham jurisdição para dizer o direito, sendo espaços de debate e não de julgamento. 

Direito ambiental

Batista Custódio também se tornou voz ativa em questões ambientais. O jornalista denunciou a exploração ilegal de diamantes no Rio Araguaia, que resultava em devastação ambiental e poluição de seus cursos d'água. Formalizou parcerias com ONGs e outros movimentos e iniciou uma militância de embate contra as dragas ilegais. Depois encarou projetos de usinas hidrelétricas. A partir de sua pressão, em 2009, após intenso debate promovido pelo jornal, o Governo Federal passou a reavaliar licenças para estas empreitadas poluidoras.

Vale do Encantado

Graças ao aprimoramento da defesa ambiental, Batista efetivou ampla mobilização em torno do Vale do Encantado, Área de Proteção Ambiental em Baliza (GO) que guarda rica fauna, flora e secular história geológica da Terra. A área enfrentava a mineração de diamantes autorizada pelo Ibama. Com apoio de Batista, a APA tornou-se patrimônio protegido.

“Batista falou que queria um jornalismo responsável!”

O Diário da Manhã, lançado em 1980 por Batista Custódio e Consuelo Nasser, tem suas origens no semanário Cinco de Março (1959). Uma das inovações do jornal em sua primeira fase foi o primeiro Conselho Editorial democrático no Brasil, onde decisões eram tomadas coletivamente, incluindo o proprietário, com direito a um único voto. Além disso, o Diário da Manhã instituiu um Conselho de Leitores - o que reforçava seu compromisso com a cidadania.

Em sua segunda fase, sob comando de Batista Custódio e atuação do presidente Júlio Nasser na busca de novas soluções gráficas, o jornal adotou uma era de inovações tecnológicas que desencadearam novidades no design impresso e na criação do primeiro site de notícias de Goiás.

Conforme pesquisadores de comunicação, o surgimento do Diário da Manhã é paralelo aos movimentos pela redemocratização do país. Milani e Savazoni (“Vozes da Democracia”) afirmam que “durante o período, a equipe do Diário da Manhã construiu uma forma de fazer jornalismo radicalmente democrática, fundamentado no espírito público e baseado em amplo diálogo com a sociedade”.

“O Batista falou que queria um jornalismo responsável. E eu disse que não era só isso. Um jornal só pode ter um compromisso: que é com o leitor. Não pode ser com o poder econômico. Nada. Ele disse que topava, que me dava inteira liberdade para fazer o jornal como quisesse”, contou o jornalista Washington Novaes, um dos principais editores na história do DM, aos pesquisadores.

“E justamente por isso que a experiência do Diário da Manhã é tão rica. Porque conseguiu desenvolver métodos e rotinas jornalísticas que se mostraram eficientes em certa medida revolucionárias, as quais apontam um caminho para qualquer veículo que pretenda fazer um jornalismo comprometido unicamente com seus leitores e, mais além, com a cidadania”, escreveram Milani e Savazoni.


Reportagem por Wellinton Carlos, editor-geral do jornal Diário da Manhã. Texto publicado, originalmente, na versão impressa do DM, edição nº 13.161, dias 23 e 24 de novembro de 2024.

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