Sumário
O psicanalista e neuropsicólogo Mark Solms, nascido na Namíbia, iniciou sua carreira profissional na neuropsicologia na década de 1980. Seu intuito, porém, já naquela época, envolvia algo novo: almejava aprofundar-se em temas ligados à subjetividade humana (emoções, sonhos, formas individuais de ser e expressar-se) e não nos temas predominantes da chamada neuropsicologia cognitiva (processos intelectuais de formação do pensamento, aquisição da linguagem, aprendizagem, etc.).
Ao não encontrar apoio direto para pensar tais articulações entre o sistema nervoso e as vivências oníricas e afetivas, viu-se compelido a aproximar-se da psicanálise como um campo profícuo de estudo das singularidades: as manifestações das personalidades em suas formas mais individualizadas, os sintomas sem explicações encontráveis nas generalizações científicas e o teor simbólico dos sonhos, conforme narrados e experienciados por cada paciente. Em decorrência, deparou-se com o fato de que o criador da psicanálise, Sigmund Freud, havia sido neurologista e desenvolvido vários estudos neurocientíficos antes de criar sua ciência psicológica profunda, fundamentada no método empírico-clínico.

Solms compreendeu que Freud criou a psicanálise por necessidade prática, tendo que abandonar sua busca pelo entendimento neurofisiológico dos sintomas que observava devido à falta de recursos tecnológicos de sua época. Assim, Freud iluminou-se ao criar uma nova ciência da subjetividade, usando o consultório como laboratório e desenvolvendo uma teoria original, predominantemente psicológica, capaz de interpretar o fenômeno humano por meio das manifestações do inconsciente (sonhos, repetições espontâneas, esquecimentos, chistes e atos falhos).
Nessas veredas, Solms retomou o projeto original de Freud de pesquisar os sonhos, sem desconsiderar o desenvolvimento subsequente da psicanálise. Buscou entender seus mecanismos neuronais, sempre mantendo em foco que a pesquisa da subjetividade realizada através do processo psicanalítico é insubstituível, inclusive por qualquer método neurocientífico. Com essa atitude respeitosa, Solms descobriu os mecanismos dopaminérgicos da geração autônoma dos sonhos, vinculados à parte do sistema nervoso responsável pelos ímpetos motivacionais e de busca, aproximando, de maneira inédita, a neurociência da descoberta freudiana do sonho como realização simbólica (distorcida) de um desejo inconsciente.
Em 1999, Solms e colaboradores fundaram um periódico baseado nessa linha de pesquisa, intitulado Neuropsicanálise, e passaram a organizar congressos anuais ininterruptos. O periódico e os congressos atraíram colaborações de grandes nomes da história do movimento psicanalítico, como André Green, Otto Kernberg e Nancy McWilliams, assim como de expoentes da neurociência afetiva, como António Damásio, Oliver Sacks e Jaak Panksepp.
Outro projeto notável desenvolvido por Solms é a Revised Standard Edition of the Psychological Works of Sigmund Freud, uma revisão total da edição padrão das obras freudianas traduzidas para o inglês, originalmente realizada por James Strachey. Solms examinou o trabalho de Strachey linha por linha, escrevendo notas de rodapé, observações sobre a tradução, termos em alemão e inglês, e a estilística dos textos, além de compilar um extenso aparato bibliográfico.
Solms é, sem dúvida, um pesquisador contemporâneo de grande relevância, cujas pesquisas são de importância imensurável. Seu trabalho merece crescente atenção dos pesquisadores e clínicos do âmbito freudiano, inclusive no Brasil.