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A elaboração do sofrimento catastrófico de Cristo no Jardim de Getsêmani: história simbólica face à psicanálise

O psicanalista Edson Manzan Corsi pensa certa experiência crística por meio da perspectiva de Wilfred Bion.

Cristo orando no Jardim de Getsêmani, por Hermann Clementz (1900)

No Jardim de Getsêmani, na noite antes da Crucificação, a parte humana de Cristo enfrentou uma angústia de dimensões catastróficas. Sob a perspectiva do psicanalista britânico Wilfred Bion, pode-se dizer que esta foi a noite decisiva em que Jesus teve de “sonhar” uma experiência emocional insuportável para ascender de modo pleno para sua Missão. Enquanto os discípulos repousavam, inábeis para conter ou lidar com a iminência do trauma, Ele continuou desperto na penumbra. Seu suor de sangue foi a amostra física de uma psique tomada por elementos beta – impressões brutas de terror e aflição ainda impossíveis de serem arrazoadas ou simbolizadas.

A agonia no Jardim remete o clímax do “ataque aos elos” psíquicos, devido a uma situação de estupor interno. A prece “afasta de mim este cálice” é o brado diante do evento em si, indigerível. Em todo caso, Cristo não evade psiquicamente. Ele se conserva em posição de “capacidade negativa”, aguentando a incerteza e o terror sem procurar respostas afoitas. Em tal procedimento, sua oração contínua labora como uma função alfa incipiente, começando a modificar o afeto devastador per se em vivência significativa, dotando de senso o intolerável-catastrófico.

A terminação – “não se faça a minha, mas a tua vontade” – baliza a culminância desta mutação psíquica. Não é resignação inerte, mas a aquiescência ativa que marca a conversão dos elementos beta em elementos alfa. A angústia abstrusa foi, por fim, “sonhada” e interligada. Ela não mais entorpece, mas passa a, surpreendentemente, fortalecer. Seu desejo particular funde-se com uma Vontade maior, metafísica.

De tal modo, a noite de Getsêmani não foi interrupção meramente dramática, mas o laivo e feitura da nova psique - imprescindível para a Cruz... Ao modificar sua agonia em acepção, Cristo tornou-se totalmente capaz de ofertar um amor que não denega o sofrer, mas o transpassa. A Ressurreição, destarte, também se inicia “firmemente” ali: no momento em que um ser transcendente - e carnal - solitário; conseguiu pensar seus próprios pensamentos de pavor e, a partir destes, tecer algo fundamentalmente novo...

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