No Jardim de Getsêmani, na noite antes da Crucificação, a parte humana de Cristo enfrentou uma angústia de dimensões catastróficas. Sob a perspectiva do psicanalista britânico Wilfred Bion, pode-se dizer que esta foi a noite decisiva em que Jesus teve de “sonhar” uma experiência emocional insuportável para ascender de modo pleno para sua Missão. Enquanto os discípulos repousavam, inábeis para conter ou lidar com a iminência do trauma, Ele continuou desperto na penumbra. Seu suor de sangue foi a amostra física de uma psique tomada por elementos beta – impressões brutas de terror e aflição ainda impossíveis de serem arrazoadas ou simbolizadas.
A agonia no Jardim remete o clímax do “ataque aos elos” psíquicos, devido a uma situação de estupor interno. A prece “afasta de mim este cálice” é o brado diante do evento em si, indigerível. Em todo caso, Cristo não evade psiquicamente. Ele se conserva em posição de “capacidade negativa”, aguentando a incerteza e o terror sem procurar respostas afoitas. Em tal procedimento, sua oração contínua labora como uma função alfa incipiente, começando a modificar o afeto devastador per se em vivência significativa, dotando de senso o intolerável-catastrófico.
A terminação – “não se faça a minha, mas a tua vontade” – baliza a culminância desta mutação psíquica. Não é resignação inerte, mas a aquiescência ativa que marca a conversão dos elementos beta em elementos alfa. A angústia abstrusa foi, por fim, “sonhada” e interligada. Ela não mais entorpece, mas passa a, surpreendentemente, fortalecer. Seu desejo particular funde-se com uma Vontade maior, metafísica.
De tal modo, a noite de Getsêmani não foi interrupção meramente dramática, mas o laivo e feitura da nova psique - imprescindível para a Cruz... Ao modificar sua agonia em acepção, Cristo tornou-se totalmente capaz de ofertar um amor que não denega o sofrer, mas o transpassa. A Ressurreição, destarte, também se inicia “firmemente” ali: no momento em que um ser transcendente - e carnal - solitário; conseguiu pensar seus próprios pensamentos de pavor e, a partir destes, tecer algo fundamentalmente novo...