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INFLUÊNCIA INTELIGENTE TODO DIA

A clínica ante a contextualização plausível: como a filosofia da 'closure' (oclusão) pode contribuir à psicanálise hoje

O psicanalista Edson Manzan Corsi "se apropria" do pensamento contemporâneo de Hilary Lawson, no sentido da sofisticação das reflexões clínicas

Imagem: AI generated

Em mundo assinalado pelo descomedimento de estímulos e uma procura ininterrupta por soluções categóricas, a clínica psicanalítica se encontra provocada a repensar alguns de seus aspectos. A concepção de "closure", do filósofo britânico Hilary Lawson, oferece uma visada instigante para tal possibilidade reflexiva. Se, para Lawson, a realidade é uma "abertura" indefinida que nós consolidamos através de encerros narrativos, ou, como prefiro nomear em português, “oclusões”, então, o sofrimento psíquico pode ser apreendido como a decorrência de "closures" intransigentes e congeladas. São historietas que o paciente discorre a si mesmo – "sou indigno de afeto", "sou um fracasso", por exemplo – e que, de tanto serem reiteradas, transformam-se na única realidade admissível, ofuscando, destarte, a abertura de ser, sentir e agir que existia antes delas.

 

Nessa conjuntura, o setting analítico demuda-se num laboratório singular para a verificação e a desconstrução desses encerramentos prejudiciais. O ingresso na livre associação - e a escuta não direcionadora do analista - não visam trocar uma narrativa "errada" por outra "certa", antes; trata-se de cunhar certo espaço afiançado no qual as oclusões fixas do ego possam ser rescindidas. O que surge na relação transferencial não é uma veridicidade subjacente a ser exumada, mas a "abertura" mesma do inconsciente (ou desconhecido) – campo de significâncias múltiplas, expandíveis, conflitos não elaborados e probabilidades de existir que foram rejeitadas pelo sujeito, em seu pacto (in-conhecido) de amoldamento ao mundo.

 

A psicanálise contemporânea, assim, deixa de ser exclusivamente uma arqueologia do acontecido para se tornar certa ética do plausível. Seu desígnio não é achar a cura numa oclusão derradeira e terminante, como no caso de estabelecer-se um diagnóstico por demais fechado ou alguma interpretação global. Noutra via, o procedimento analítico é bem-sucedido quando o paciente reconquista a capacidade de residir na abertura, tornando-se mais ciente de suas próprias "closures" – podendo, porquanto, advirem narrativas mais maleáveis, menos empobrecidamente sintomáticas e ligadas à repetição. Fala-se de convite a trocar-se a garantia ilusória do padecimento conhecido pela seiva de viver em um mundo sem embasamentos derradeiros.

 

Nesse caminho, a clínica movida por essa visão não garante felicidade perene ou uma identidade coesiva, mas a liberdade de reescrever a si próprio em feitio sucessivo. Ela se dispõe como viável contraveneno frente à tirania das oclusões rápidas e superficiais ofertadas pela cultura do consumo e das autoajudas superficiais e momentâneas. Ao auxiliar o sujeito a transigir com as frestas primordiais de seu ser, a psicanálise realiza sua importância como prática que não desconsidera o dilema existencial, mas que auxilia a brincar dentro dele, cunhando sentidos temporários, porém vitais, para a vida (e suas vacâncias).

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