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INFLUÊNCIA INTELIGENTE TODO DIA

A avenida da culpa: história de um político reencarnado

Narrativa atribuída ao médium e conferencista espírita José Raul Teixeira revela, por meio de uma experiência espiritual, como a Lei de Causa e Efeito pode conduzir uma alma orgulhosa da glória política à extrema miséria, no mesmo cenário que um dia celebrou seu poder.

As duas vidas do mesmo espírito

Ela comia restos de lixo na calçada.

Eu ia dar um lanche para ela, mas meu mentor sussurrou: “Olhe o nome da placa nesta rua”.

Eu caminhava pela avenida movimentada, sentindo a brisa no rosto. Havia acabado de sair do Centro Espírita e, com algum tempo livre antes da palestra da noite, decidi ir a pé até uma cafeteria próxima para organizar meus pensamentos. Eu me sentia leve, grato pela oportunidade de servir à doutrina.

No entanto, enquanto aguardava o sinal de pedestres fechar para atravessar, uma cena brutal quebrou minha serenidade. Do outro lado da rua, uma mulher revirava um caixote de lixo.

Não era apenas uma moradora de rua; era a imagem da completa miséria. As roupas eram trapos irreconhecíveis e a pele estava marcada por feridas expostas. Meus olhos fixaram nas mãos dela. Com uma delicadeza que contrastava com a sujeira, ela separava o que parecia ser “lixo podre” do “lixo comestível”. Vi quando ela limpou uma casca de fruta com a manga da blusa encardida e a levou à boca.

Aquilo feriu minha alma. A tranquilidade que eu trazia do centro espírita se desfez. Entrei na cafeteria, pedi meu café, mas quando sentei à mesa, senti um nó na garganta. Olhava para a xícara fumegante e para o vidro da janela, vendo aquela filha de Deus disputando comida com as moscas.

“Senhor”, pensei, em um questionamento silencioso e doloroso. “Como explicar tanta dor? Onde está a misericórdia vendo um ser humano nessa condição?”

Foi nesse momento que o ambiente ao meu redor pareceu mudar. O ruído das conversas na cafeteria ficou distante. Senti uma vibração familiar, uma paz que não vinha de mim. Ao meu lado, percebi a presença do meu mentor espiritual. Ele não se sentou, permaneceu em pé, olhando fixamente para a mulher lá fora.

— A imagem te entristece, meu amigo? — ele perguntou, sua voz ecoando em minha mente com suavidade.

— Estou desolado — respondi mentalmente. — Penso em ir lá levar algo decente para ela comer.

O mentor tocou meu ombro sutilmente e disse:

— A caridade é nobre, mas ela não aceitaria. O orgulho dela, mesmo escondido sob a miséria, ainda é uma barreira intransponível.

— Orgulho? — questionei. — Ela está comendo do lixo!

— O que você vê é apenas a casca atual. Permita-me mostrar a essência.

Ele estendeu a mão em direção à rua e, num instante, minha vidência se ampliou. A imagem da mulher mendiga se desfez como fumaça. No lugar dos trapos, vi um terno impecável de linho branco. No lugar da senhora curvada, vi um homem. Um político influente de décadas passadas.

Vi cenas rápidas, mas claras: ele em palanques, sendo aplaudido, com o poder da caneta na mão. Mas vi também o que ficava oculto: verbas desviadas, hospitais sucateados por ganância, famílias despejadas para obras de fachada. Aquele espírito, em sua vida anterior, viveu cercado de luxo, indiferente à miséria que suas decisões criavam.

A visão mudou para o plano espiritual. Vi o despertar dele após a morte. A consciência, livre das ilusões da matéria, tornou-se seu juiz implacável. Ele via o sofrimento de cada pessoa afetada por sua gestão. A culpa queimava mais que fogo.

“Eu preciso reparar!”, ele implorava aos benfeitores espirituais. “Me deixem renascer onde eu nada tenha. Quero conhecer a dor que ignorei. Me deem a miséria para que eu aprenda o valor da dignidade!”

Voltei a mim, na cafeteria, segurando a xícara com as mãos trêmulas. Olhei novamente pela janela e a mulher continuava lá.

— É a reencarnação dele — confirmou o mentor. — O espírito pediu a prova da extrema carência para curar a doença da vaidade.

Respirei fundo, tentando assimilar a lição da Justiça Divina.

— Mas... por que aqui? Por que justo nesta avenida tão movimentada?

O mentor sorriu com um misto de compaixão e seriedade, apontando para a placa azul na esquina, logo acima de onde a mulher estava.

— Leia o nome da rua.

Apertei os olhos e li: Avenida Governador [Sobrenome do Político].

Um calafrio percorreu minha espinha.

— O magnetismo da culpa é uma força poderosa — explicou o mentor. — Ela perambula todos os dias na avenida que foi batizada em sua própria homenagem no passado.

— Ela come lixo... na avenida que leva o seu nome?

— Ela vive o reverso da medalha no palco da sua antiga glória. Nada disso é castigo, meu amigo. É a Lei de Causa e Efeito, pedagógica e justa. É a alma revisitando o local de seus erros para, na dor, encontrar a redenção.

O mentor começou a se afastar, deixando uma última reflexão:

— Não chore revoltado. Ore. O prato de comida alimenta o corpo por algumas horas, mas a sua vibração de amor e prece pode aliviar a alma dela, que carrega um fardo secular.

Naquele dia, deixei o café intocado. Saí da cafeteria, olhei para a placa com o nome do político e depois para a mulher. Fiz uma prece silenciosa, profunda e sincera. Pedi que ela tivesse forças para sua jornada redentora.

Segui meu caminho para a palestra com o coração transformado, lembrando-me de que a vida é um eco perfeito: o que gritamos para o mundo hoje, a vida nos devolve amanhã.


Esta história é atribuída ao médium e conferencista espírita José Raul Teixeira, nascido em Niterói. Raul Teixeira teria relatado esta história.

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