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INFLUÊNCIA INTELIGENTE TODO DIA

6º Perfil dos Libertadores: Paulo de Tarso – da ortodoxia à libertação pela Consciência Crística

De perseguidor implacável a arauto da fé universal, Paulo de Tarso protagonizou uma das mais radicais transformações espirituais da história. Guiado por uma revelação na estrada de Damasco, tornou-se o embaixador de Jesus. Nesta edição, Maurício Tovar mergulha na jornada do apóstolo dos gentios.

Retrato artístico hiper-realista de Paulo de Tarso, já convertido, inspirado em descrições históricas e arqueológicas: de baixa estatura, calvo, com sobrancelhas unidas e nariz aquilino. A luz iluminista reforça a nobreza e a intensidade espiritual do maior divulgador do Cristianismo.

Sumário


I – Ainda Saulo de Tarso

Saulo nasceu em uma família judaica, da tribo de Benjamim, entre os anos 5 e 10 d.C., em Tarso, capital da Província Romana da Cilícia – atual Turquia. Naquele tempo, a cidade era um expressivo empório comercial, ponto de intersecção de duas grandes culturas: a heleno-romana do Ocidente e a semita-babilônica do Oriente. Tarso era regada pelas águas do rio Cydnus, por onde subiam e desciam os navios do Mediterrâneo. Depois de Atenas e Alexandria, Tarso era o mais importante centro de cultura helênica da época.

Durante sua infância e juventude, Saulo respirou a atmosfera helênica, romana e judaica. Posteriormente, seus escritos estariam repletos de alusões, analogias e ideologias que seu espírito assimilou ao viver nesse ambiente eclético e culturalmente vasto. A convivência com diferentes povos, raças, credos e filosofias certamente favoreceu o alargamento de sua visão de mundo e consolidou sua altivez espiritual para se tornar, futuramente, o maior “Bandeirante do Evangelho” pelo mundo.


II – Juventude e Crenças Farisaicas

Saulo estudou a Torá com o rabino Gamaliel e, em decorrência dessa formação, tornou-se versado na Lei Judaica. Era rigoroso observante da Tradição Oral e poliglota (falava hebraico, grego e aramaico). Comprometia-se integralmente com o monoteísmo judaico e acreditava que a Lei era a expressão máxima da vontade de Deus. Em sua visão, Jesus não poderia ser o Messias, pois morrera crucificado. Para Saulo, os seguidores de Jesus pregavam uma nova fé, que confrontava a Lei de Moisés, configurando-se, a seus olhos, como uma grave heresia.

Por volta dos quinze anos de idade, Saulo foi para Jerusalém estudar, pois seu pai o destinara a ser “Doutor da Lei”. Para isso, era necessário frequentar a Escola do Templo. Segundo o Livro de Lucas, o próprio Saulo afirma ter sido criado “aos pés de Gamaliel”. Naquela época, havia duas famosas escolas bíblico-teológicas: a de Hillel e a de Shammai. Gamaliel, mestre de Saulo, era neto de Hillel. Segundo os “Atos dos Apóstolos”, Gamaliel era de espírito largo, tolerante e conciliador. Já a escola de Shammai era conhecida por sua ortodoxia rígida e intolerância. As célebres palavras de Gamaliel, dirigidas ao Sinédrio em defesa dos apóstolos presos, revelam sua mentalidade sensata:

“Se esta obra vem dos homens, não tardará a ser destruída; se, porém, vem de Deus, não podereis destruí-la – a menos que queirais opor-vos ao próprio Deus” (Atos 5:38-39).

Segundo a tradição, Gamaliel foi um discípulo secreto de Cristo. Portanto, o mentor de Saulo era calmo, sereno, ponderado e conciliador. Não cabe, no entanto, em relação a mestre e discípulo, o provérbio: “Tal mestre, tal discípulo”. A concepção de Saulo sobre os apóstolos era quase diametralmente oposta à do grande rabi de Jerusalém. Gamaliel professava liberalismo tolerante; Saulo, uma intransigente ortodoxia farisaica. Um extremista religioso.


III – Saulo: O Perseguidor dos Cristãos

Saulo era um ardoroso defensor da ortodoxia judaica e implacável perseguidor dos primeiros cristãos, a quem via como hereges deturpadores da tradição mosaica. Não esteve em Jerusalém durante todo o período da vida pública de Jesus. Que teria acontecido se o ardoroso fariseu tivesse encontrado Jesus de Nazaré? Teria sido sensibilizado pela presença marcante do Mestre? Ou brutalmente encolerizado? Neutro, certamente, não teria ficado.

As agulhas magnéticas das almas não ficam inertes diante do Cristo: são atraídas ou repelidas ante a “Luz da Verdade”, que as escandaliza. Os doutores da Lei, em relação a Jesus, eram como fogos pintados em tela. Já Jesus, era o fogo real.

Na província da Cilícia, chegavam ecos dos acontecimentos na Palestina, principalmente em Jerusalém:

“O filho de um carpinteiro da Galileia fundou recentemente uma nova religião, que contradizia, em grande medida, a Lei de Moisés.”

Andrônico, Junias e Herodião, conterrâneos de Saulo, voltaram de Jerusalém dizendo que o tal Nazareno, depois de crucificado e morto, parecia ainda mais perigoso do que em vida. Seus discípulos o proclamavam ressuscitado e espalhavam com grande entusiasmo sua doutrina.

Reuniam-se ao anoitecer para louvar o Filho do Carpinteiro como Deus em pessoa. Até um levita do Chipre, apelidado de Barnabé, acompanhava o movimento e chegou a vender suas propriedades para atender às necessidades financeiras da comunidade dos que aderiam ao Cristo.

Alarmantes relatos sobre as atividades e os prodígios dos adeptos do Nazareno corriam de boca em boca.

Após ouvir tudo aquilo, Saulo decidiu empreender uma viagem à Judeia para se inteirar dos fatos.

Em Jerusalém, vivia um jovem israelita chamado Estêvão. Profundo conhecedor da história do povo eleito e das revelações divinas, inteligente e dotado de intensa dinâmica espiritual, Estêvão era eloquente pregador dos ensinamentos de Jesus.

Falando com grande poder de persuasão em uma das sinagogas, parecia romper todas as resistências dos defensores da Lei Mosaica.

Entretanto, surge então Saulo de Tarso, o adversário e Doutor da Lei. Uma das sinagogas de Jerusalém torna-se o campo de batalha entre Estêvão, disseminador da maior revolução espiritual da história da humanidade, e Saulo, o legalista, defensor da tradição mosaica.

Para Saulo, a Lei de Moisés possuía eterna validade, e o Templo de Jerusalém era o intangível santuário do Senhor dos Exércitos. Para Estêvão, o mosaísmo era apenas a alvorada que precedia a Plena Luz do Cristianismo.

Estêvão argumentava que Jesus levou à perfeição a Lei Mosaica e inaugurou um reino espiritual que subsistiria até a consumação dos séculos. Os judeus presentes se revoltaram, taparam os ouvidos diante das “blasfêmias”, arrastaram-no para fora e, com pedras nas mãos, aguardaram a ordem:

“Testemunhas, para a frente! Atirai a primeira pedra!”, conforme o Deuteronômio.

Todos os olhos se voltaram para Saulo, o Doutor da Lei. Sem vacilar, Saulo acenou. E a saraivada de pedras caiu sobre Estêvão, que, em sua derradeira hora, olhando para Saulo, exclamou:

“Senhor, não lhes impute este pecado!”

Quem imaginaria que, aproximadamente dois anos depois, o assassino de Estêvão ocuparia o seu lugar como apóstolo?


IV – O Poder de Cristo Origina “Paulo”: O Renascido pelo Espírito

Munido de documentos que o autorizavam a prender todos os seguidores de Jesus em Damasco, fossem homens ou mulheres, Saulo era uma espécie de inquisidor-mor.

Sabia que o movimento cristão crescia rapidamente na cidade.

Foi então que lhe aconteceu algo inusitado: ao se aproximar de Damasco, uma luz intensa brilhou ao seu redor, cegando-o. Caindo por terra, ouviu uma voz:

– “Saulo, Saulo, por que me persegues?”

– “Quem és tu, Senhor?”, perguntou.

– “Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Levanta-te, entra na cidade, e lá te será dito o que deves fazer.”

Segundo Atos 22:6-11, o acontecimento se deu ao meio-dia, e a luz era mais resplandecente que o Sol.

Saulo cai à beira da estrada de Damasco, envolto pela luz ofuscante de Jesus que aparece nos céus — o momento em que o “inimigo do Cristo” se resigna convertido. Ao fundo, seus companheiros a cavalo, observam, atônitos e temerosos. Os dois caravaneiros não viam Jesus. Diziam entre que si que Saulo havia se perturbado pela distância da viagem e a força do sol. Contudo, conforme Emmanuel, “o Mestre chama-o, da sua esfera de claridades imortais. Paulo tateia na treva das experiências humanas e responde: ‘Senhor, que queres que eu faça?’”

Comentário:
A luz simboliza a “Consciência Crística”, que dissolve o orgulho, o fanatismo e a cegueira espiritual. A queda representa o colapso do ego religioso. A cegueira temporária simboliza o obscurantismo da personalidade. E a cura por Ananias marca o início da regeneração da alma, guiada pelo Espírito de Cristo.

Após o episódio, Saulo não foi imediatamente a Jerusalém. Segundo a Carta aos Gálatas, ele diz:

“Quando, porém, aprouve a Deus revelar Seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os gentios, não consultei carne e sangue, nem subi a Jerusalém para os que já antes de mim eram apóstolos, mas parti para a Arábia e voltei outra vez a Damasco. Depois de três anos, subi a Jerusalém para ver Pedro.”

Esse retiro de três anos teve caráter iniciático e transformador.


V – Cristo e o Cristianismo por Paulo

Paulo de Tarso transitou do legalismo mosaico para a vivência na graça disponível à humanidade com a obra de Jesus Cristo.

Romanos:
“A justiça de Deus pela fé, não pelas obras da Lei.”

Comentário:
Para Paulo, a justificação não vem da observância legalista, mas da fé em Cristo. A salvação é um dom gratuito.

Romanos 8:2:
“Porque a Lei do Espírito da Vida, em Cristo Jesus, te livrou da Lei do pecado e da morte.”

Comentário:
A nova Lei é interior, vibracional, libertando o ser da culpa e do medo.

Coríntios 2:14:
“Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura...”

Comentário:
Refere-se ao homem dominado pelos sentidos físicos e o ego terrestre.

Gálatas 2:20:
“Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim.”

Comentário:
Expressão máxima do renascimento espiritual de Paulo.

Filipenses 2:5-7:
“Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus...”

Comentário:
Alusão à “Kenosis”, o esvaziamento do ego.


VI – Paulo: O Libertador

Paulo de Tarso, após o episódio de Damasco e o retiro na Arábia, iniciou uma jornada missionária intensa, que culminou com sua execução em Roma, por ordem de Nero, em 29 de junho de 67 d.C.

Qualifica-se como um legítimo libertador: libertou-se do ego e ressurgiu renascido pelo Espírito.

Contatado por Jesus redivivo, recebeu a certeza da missão redentora do Cristo Imortal.

Disse com convicção: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim.”

Seu legado atravessa os séculos, como templo vivo do Espírito de Cristo.

As palavras de sua “Apoteose do Amor” revelam a dimensão de sua cristificação:

“Se eu falasse a língua dos homens e dos anjos, mas não tivesse amor, seria como um metal que soa ou um címbalo que retine... (1 Coríntios 13).”

Paulo: o libertador da alma humana para todas as gerações.


Maurício Tovar

Maurício Tovar, filósofo, biólogo, professor, ambientalista e escritor.

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