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INFLUÊNCIA INTELIGENTE TODO DIA

Divaldo Franco: o adeus ao semeador de estrelas

Aos 98 anos, morre ícone do Espiritismo pós-Chico Xavier, deixando uma herança de caridade e sabedoria através da monumental obra da Mansão do Caminho e das psicografias de Joanna de Ângelis, que devem inspirar e consolar gerações. Baiano, Divaldo foi o maior orador espírita do século XXI.

Divaldo Franco se destacou pelo trabalho social com crianças e jovens em Salvador: a caridade foi a plataforma que lhe conferiu extrema autoridade moral junto aos espíritas (Foto: Alexandre Battibugli/Veja SP)

Na noite de 13 de maio de 2025, um silêncio reverente pairou sobre o Brasil e a comunidade espírita global. Divaldo Pereira Franco, o eminente médium, orador, educador e filantropo, transcendeu para a pátria espiritual aos 98 anos, em sua residência na Mansão do Caminho, complexo socioeducacional por ele fundado em Salvador, Bahia. A causa do falecimento foi falência múltipla dos órgãos, em decorrência de complicações de um câncer na bexiga, diagnosticado em novembro de 2024, contra o qual lutou com a serenidade que sempre o caracterizou.

Apelidado carinhosamente de "Paulo de Tarso do Espiritismo" pela sua dedicação incansável à divulgação da doutrina e à prática da caridade por mais de sete décadas, Divaldo Franco construiu uma trajetória de luz que ultrapassou fronteiras. Sua partida física desencadeou uma onda de homenagens e reflexões sobre seu vasto legado de amor ao próximo, consolo espiritual e serviço desinteressado.

Divaldo Franco pela lente do fotógrafo Alexandre Battibugli/Veja SP

Nascido em 5 de maio de 1927, na cidade baiana de Feira de Santana, Divaldo foi o mais novo entre treze irmãos. Suas faculdades mediúnicas afloraram ainda na infância, conduzindo-o, após uma experiência de cura espiritual, a um profundo mergulho nos estudos espíritas, que norteariam toda a sua existência.

Em 1952, junto ao amigo Nilson de Souza Pereira, materializou um sonho: a Mansão do Caminho. O que começou como um lar para crianças órfãs transformou-se em um dos maiores complexos de assistência social do país. Nilson de Souza Pereira Filho, atual diretor-geral da instituição, declarou em nota oficial: "O ideal de Divaldo vive em cada tijolo e em cada vida transformada aqui. Sua obra é imortal e continuaremos fiéis ao seu propósito de servir, mantendo todos os programas ativos, desde as creches e escolas profissionalizantes até os atendimentos médicos e psicológicos que beneficiam diariamente nossa comunidade."

Divaldo Franco adotou 650 filhos mesmo sem nunca ter sido pai biológico. Recebeu as crianças em suas obras sociais e ainda somou mais de 200 netos e bisnetos.

Prolífico autor, Divaldo psicografou mais de 250 obras – ditadas por diversos espíritos, notadamente sua mentora Joanna de Ângelis – cujos direitos autorais foram integralmente revertidos para a Mansão do Caminho e outras iniciativas filantrópicas. Seus livros, traduzidos para mais de 17 idiomas, levaram mensagens de esperança e esclarecimento a milhões de leitores ao redor do globo. Como orador, sua voz eloquente e inspiradora ecoou em mais de 70 países, proferindo milhares de palestras e seminários, sempre com mensagens de paz, fraternidade e renovação interior.

Repercussão nacional e internacional

O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, lamentou publicamente a morte de Divaldo Franco. Em nota divulgada nas redes sociais oficiais, o chefe do Executivo estadual afirmou que “Divaldo Franco levou a luz da nossa Bahia ao mundo e deixou um legado único no espiritismo”. A manifestação foi repercutida por veículos da imprensa baiana e nacional, ressaltando a importância do médium para o Estado e para o país.

A cantora Ivete Sangalo também se pronunciou nas redes sociais, onde publicou mensagem emocionada em homenagem a Divaldo Franco. Na publicação, destacou o legado de caridade do médium baiano, cuja atuação marcou gerações de brasileiros. Outros artistas baianos, como Carlinhos Brown e Netinho, também prestaram homenagens. As mensagens foram registradas por veículos como o jornal A Tarde.

O médium e colunista José Medrado, fundador da Cidade da Luz, concedeu entrevista ao jornal A Tarde sobre a repercussão da morte de Divaldo Franco. Na declaração, Medrado o definiu como “uma grande referência para o movimento espírita” e recordou sua trajetória de dedicação integral à divulgação da doutrina espírita, destacando o impacto nacional e internacional de sua obra.

Divaldo Franco e Irmã Dulce cruzaram caminhos em 1950, unidos pelo propósito do bem e do amor ao Cristo. Juntos, deixaram um legado de caridade e transformação social que continua vivo até hoje. Divaldo Franco fazia visitas frequentes à Irmã Dulce e guiados pelo espírito da solidariedade, dedicaram suas vidas a obras sociais impactantes. A Mansão do Caminho já tinha sido fundada e pulsava com esperança, enquanto eles também estendiam seu apoio à antiga Colônia de Hansenianos em Águas Claras, periferia de Salvador. Dois corações generosos que uniram forças em prol dos mais necessitados.

Nas redes sociais, a hashtag #DivaldoVive registrou algumas publicações em homenagem do gigante das obras sociais.

A Federação Espírita Brasileira (FEB) divulgou nota oficial em 14 de maio de 2025, assinada por seu presidente, Jorge Godinho Barreto Nery. No comunicado, a entidade informa o desencarne de Divaldo Franco e presta homenagem à sua “vida dedicada à Causa Espírita, semeando o amor ao próximo”. A nota foi publicada no site oficial da FEB e repercutida por veículos especializados e de imprensa geral.

O Conselho Espírita Internacional (CEI), sediado em Nova York, também manifestou pesar. Em nota oficial publicada em 14 de maio de 2025, o CEI expressou gratidão pelos serviços prestados por Divaldo Franco ao Espiritismo mundial. O comunicado, veiculado na página oficial do Conselho, destacou a emoção de seus membros diante da perda e o reconhecimento pela contribuição internacional do médium baiano à unificação e à fraternidade no movimento espírita.

Divaldo com seus filhos adotivos, na década de 50 (Arquivo pessoal/Reprodução)

Detalhes de uma Vida Dedicada

  • Desde tenra idade, Divaldo relatava suas interações com o plano espiritual, o que inicialmente gerou incompreensão, mas logo se tornou o alicerce de sua missão.
  • Sua guia espiritual, Joanna de Ângelis, é reconhecida no meio espírita como um espírito de elevada hierarquia, tendo sido, segundo Divaldo, Joana de Cusa (discípula de Jesus) e a poetisa e freira mexicana Sóror Juana Inés de la Cruz em existências pregressas.
  • Com um coração paternal imenso, Divaldo acolheu e educou mais de 650 filhos adotivos e tutelados na Mansão do Caminho, muitos dos quais se tornaram profissionais exemplares, como o médico Dr. Renato Lima, hoje atuante na própria Mansão.
  • Além das traduções para mais de 17 idiomas, suas palestras foram legendadas em diversos idiomas, incluindo inglês, francês, espanhol e esperanto, ampliando o alcance de sua mensagem de paz e espiritualidade.
  • Recebeu o título de Doutor Honoris Causa de diversas universidades no Brasil e no exterior, incluindo a Universidade Federal da Bahia (2002) e a Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa, Portugal (2010), em reconhecimento à sua vasta contribuição social e educacional.
  • Visionário, foi um dos pioneiros no diálogo inter-religioso, participando de conferências pela paz em mais de 60 países, incluindo o Parlamento das Religiões do Mundo em Chicago (1993) e diversos encontros com líderes como o Dalai Lama.
  • Em 2022, foi condecorado com a Ordem do Rio Branco, no grau de Comendador, uma das mais altas honrarias concedidas pelo governo brasileiro, por seus serviços à nação e à cultura.
  • Idealizador do Movimento "Você e a Paz", mobilizou multidões em encontros anuais que promoviam a cultura da não-violência e da fraternidade em cidades como Salvador, São Paulo e Paris.
  • Manteve um diálogo respeitoso e produtivo com personalidades de diversas áreas. Sua correspondência com o Papa João Paulo II sobre temas da paz e espiritualidade é um exemplo citado por biógrafos.
  • Mesmo com a saúde fragilizada nos últimos meses, Divaldo manteve-se lúcido e ativo em suas orientações, gravando mensagens e participando de reuniões virtuais, continuando a inspirar e a consolar até seus momentos finais.

Sincronicidades e Reflexões Espirituais

De forma tocante, a data da partida de Divaldo Franco, 13 de maio de 2025, coincidiu com expressivas manifestações de fé ao redor do mundo. Enquanto o Brasil e a comunidade espírita se despediam de seu benfeitor, o mundo católico celebrava com fervor o Dia de Nossa Senhora de Fátima. Milhares de fiéis participaram de procissões luminosas, com destaque para os eventos no Santuário de Fátima, em Portugal – que reuniu cerca de 470 mil peregrinos na primeira grande peregrinação presidida pelo recém-eleito Papa Leão XIV – e em Belém do Pará, no Brasil, onde a procissão foi conduzida pelo Arcebispo Dom Alberto Taveira Corrêa.

Paralelamente, uma significativa peregrinação inter-religiosa pela paz mundial, organizada pela Iniciativa das Religiões Unidas (URI), ocorria em Jerusalém, unindo líderes como o Rabino-Chefe David Lau, o Arcebispo Greco-Ortodoxo Theophilos III e o Sheikh Muhammad Ahmad Hussein, Grande Mufti de Jerusalém, em um clamor comum. Esses acontecimentos, para muitos, não foram meras coincidências, mas um eco da mensagem universalista de amor, paz e fraternidade que Divaldo Franco personificou e disseminou ao longo de sua vida. A convergência dessas datas e eventos foi interpretada como um sinal de esperança, reforçando a conexão entre as mais diversas jornadas espirituais e a busca humana por transcendência e unidade.

A Fraterna Ligação com Chico Xavier

A relação entre Divaldo Franco e Francisco Cândido Xavier, outro gigante do Espiritismo brasileiro, foi pautada por profundo respeito, admiração mútua e colaboração espiritual. Embora trilhassem caminhos com características próprias dentro do movimento, ambos compartilhavam a dedicação incondicional à caridade e à divulgação da Doutrina Espírita. Encontros, como o memorável diálogo público ocorrido no programa Pinga-Fogo da TV Tupi em 1971, e correspondências trocadas ao longo de décadas, marcaram essa amizade fraterna. Divaldo referia-se a Chico como "o archote de luz da mediunidade com Jesus", enquanto Chico via em Divaldo "um semeador de estrelas". Juntos, representam pilares de um legado que continua a sustentar e inspirar o Espiritismo no Brasil e no mundo.

Em suas últimas mensagens, Divaldo Franco sempre reforçava a importância da esperança, da fé raciocinada e do trabalho no bem. "A vida", afirmava com convicção serena em sua última entrevista concedida à Rede Mundo Maior de Televisão, "é uma sublime canção de amor que jamais se extingue". Divaldo Franco transcende o plano físico, mas sua luz, suas palavras e, acima de tudo, seu exemplo de vida, permanecem como um farol a guiar todos aqueles que anseiam por um mundo mais justo, fraterno e espiritualmente consciente.

Seu legado é imortal, gravado nas milhares de vidas que tocou e transformou, e nas páginas de suas obras que seguirão consolando corações e despertando consciências.

Vídeo: Crianças homenageiam o benfeitor

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Homenagem a Divaldo Franco pelos seus 89 anos. Os alunos das escolas e creche da Mansão do Caminho emocionaram a todos durante homenagem prestada ao médium e orador espírita Divaldo Franco. A homenagem foi prestada em frente a residência de Divaldo e teve a participação de colaboradores da Casa, amigos, voluntários e professores. Divaldo completará 89 anos no dia 5 de maio de 2016, mantendo pontualmente sua agenda de conferências no Brasil e exterior, cumprindo seu papel de trabalhador incansável do Cristo. (Acervo Mansão do Caminho)

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